É muito simples e, ao mesmo tempo, muito triste: Guterres fez um pacto com Pequim e tudo faz para ajudar a política externa chinesa. É verdade que Trump nunca quis construir uma boa relação com o Secretário-Geral da ONU, mas isso está muito longe de explicar tudo.

Quando Guterres foi eleito, pela primeira vez, SG da ONU, em Outubro de 2016, Obama ainda era o Presidente americano, e recebeu o apoio dos EUA, tal como do Reino Unido e da França. Quando foi reconduzido como SG da ONU, Biden já era o Presidente americano. Ou seja, Guterres nunca precisou do apoio de Trump nas duas votações, e contou sempre com os votos de dois Presidentes democratas: Obama e Biden. Mas nem isso, impediu que Guterres se entregasse completamente nas mãos do regime chinês.

Guterres está sempre pronto para apoiar e legitimar a expansão chinesa em África (contra os interesses dos europeus), assim como a política de Pequim do “Belt and Road Initiative.” É muito raro ouvir alguma crítica de Guterres às violações dos direitos humanos na China, nomeadamente o genocídio dos Uigures. Aliás foi criticado por organizações de direitos humanos, entre elas a Human Rights Watch, pelo seu silêncio em relação aos Uigures.

Nunca tem uma palavra de reparo aos bloqueios e aos exercícios militares periódicos da China à volta de Taiwan, e se isso não é uma ameaça à segurança internacional, o que será? Para culminar a sua sujeição à política externa chinesa, foi esta semana à Cimeira dos BRICS na Rússia, onde se encontrou com Putin.

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Vamos colocar de lado a natureza ditatorial do regime de Putin, o SG da ONU sente-se confortável em aparecer ao lado de um líder que iniciou uma guerra de agressão num país vizinho e mantém centenas de milhares de soldados a ocuparem uma parte substancial do território ucraniano? Não vale a pena justificar o encontro como uma tentativa para fazer a paz na Ucrânia. Guterres não tem qualquer mandato para iniciar um processo de paz na Ucrânia, nem das partes em guerra, nem do Conselho de Segurança. Com o encontro com Putin, Guterres está a legitimar a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, e ele sabe muito bem isso.

Além disso, Guterres passa a vida a falar do respeito pelo direito internacional. Será uma manifestação de respeito pelo direito internacional o SG da ONU encontrar-se com um líder que está sob um mandato de prisão do Tribunal Penal Internacional? Ou Guterres não reconhece a legitimidade do TPI? Se não reconhece, convinha que explicasse as suas razões.

Guterres foi à Cimeira dos BRICS na Rússia porque cumpre ordens vindas de Pequim. Os BRICS são um instrumento do poder da China, e a Rússia é neste momento o principal aliado da China.

Quando Guterres foi PM de Portugal o nosso país cumpria uma presidência rotativa da União Europeia quando Haider ganhou umas eleições na Áustria. Na altura, sob pressão da Alemanha e da França, Portugal propôs a suspensão da Áustria das reuniões do Conselho. Guterres preocupou-se com o crescimento da extrema-direita na Europa, mas não manifesta a mesma preocupação com a expansão pela força militar de um regime fascista. Guterres “o anti-Haider” tornou-se no Guterres amigo de Putin.

Mas no meio destas cambalhotas políticas, há um ponto comum no percurso político de Guterres: servir quem tem poder. Que triste fim de uma carreira política: ser o mordomo da China.