1 Prodigioso: com o mesmo guião, os mesmos protagonistas, os mesmos actores nos mesmos papéis, começou uma outra peça política. Protagonistas velhos para novas circunstâncias. O governo saltou da letargia para a ficção alimentada por uma segunda ficção que é Belém achar verosímil a primeira. Só Pedro Nuno se apressou a trocar expeditamente o mito do “responsável governante” que nunca foi, pela mística do “sucessor exitoso” que as pitonisas — e os pitonisos — do PS garantem que será. Não me espanta que garantam: que interessa a acumulação dos desastres governativos do ex-ministro e dos milhões atirados pela borda fora da TAP, comparada com a possibilidade de acabar de vez com um PS que sempre conhecemos? Sepultando-o de vez e fazendo do “novo” (?) um partido socialista oficialmente de esquerda radical, em mandamentos e escolhas. Ao pé desta ansiada mutação que interessa que os portugueses continuem a pagar os milhões que Pedro Nuno Santos desperdiçou e sofram com as promessas que não cumpriu?

A peça continuará em cartaz por tempo indeterminado, enquanto nos bastidores Pedro Nuno Santos não deixará cair o estatuto de “protagonista”. Se conseguir, far-lhe-á um arranjão, agora que está à solta na pele (que no seu íntimo nunca largou) de general-guerrilheiro com tropas.

2 Se, à excepção do general-guerrilheiro, tudo se mantém, o que mudou então? Mudou a natureza das coisas: pela primeira vez António Costa foi atingido em cheio. À vista desarmada a vulnerabilidade fez uma “fracassante” entrada em cena. Passou a ser um dado da governação: o chefe do governo é vulnerável, o governo está irreversivelmente vulnerabilizado. Além disto, que é muitíssimo, o factor dúvida — do qual a política não gosta — oficializou-se: o PS não sabe o que pensar, as suas gentes não sabem como proceder. Duvidam. Balançam. As divisões internas subiram à luz do dia, saindo da penumbra onde germinavam. A mediocridade socialista – governativa e partidária — é indisfarçável, está na montra do país. António Costa — não é novidade — não é fadado para o mau tempo e vem aí pior tempo. O fastio com que tem governado passou a desnorteio e agora estacionou numa espécie de “fechamento” que as suas temerárias e desclassificantes nomeações governamentais desta semana exibem desapiedadamente: o novo par do Executivo, o aparatoso Galamba e a jovem que o acompanha, pertencem à galáxia privativa do “pedronunismo”: de que é que Costa tem medo, ele que não costuma tê-lo? (Não se invoquem os “equilíbrios internos”. Por favor).

3 Em face desta degradação que todos os dias nos confunde pela velocidade do seu galope sobram duas perguntas não despiciendas: António Costa conseguirá sair dos escombros de si próprio? Olhando para o seu entricheiramento que começou pelos amigos do peito — que depois tratou mal – passou depois para ajudantes, se agora para servos e “factotum”, custa a crer que consiga. As coisas estão, porém, mais nas suas mãos do que nas do Presidente da República, embora aos distraídos pareça o contrário. O primeiro-ministro tem muito tempo pela frente mas pouquíssimo para dar um golpe de rins, respirar fundo e agarrar em Portugal com ambas as mãos. Se não o fizer, acaba politicamente. Mesmo que dure.

4 Ouvi elogiar o speech de Belém, no primeiro dia deste ano: que o Presidente deixara o discurso politicamente amável e edolcurante e “desta vez” se zangara. Não me parece que o Chefe de Estado tenha usado — com consequências úteis — da responsabilidade e autoridade que tem para denunciar os lesivos efeitos que a governação tem provocado no país. A sua suposta exigência nunca”cobre” a dramática acumulação desses efeitos. Sim, deixou avisos, acendeu luzes intermitentes, mostrou desagrado; aparentou severidade e autoridade, o que não é o mesmo do que as exercer. Fez os serviços mínimos. A forma pode ter iludido, o fundo, não: o Chefe de Estado não pediu contas, não avisou que iria pedir (e o embaraço era escolher por onde pedi-las). Numa só coisa se pode – se deve — segui-lo: o ter afugentado de imediato a lamúria por eleições antecipadas. Qualquer pessoa normalmente constituída — e não só Luis Montenegro – concordará com o seu “não”.

Isso, esta cidadã agradece-lhe. (Achando que começa a ser difícil lidar com a quantidade de doidos com responsabilidades que grassa pelo país.)

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