Parece que esta pandemia, não só provocou uma crise sanitária e económica de enormes dimensões, como está a originar um gravíssimo problema de partilha de informações e comunicações falsas entre mentes doentes, mas que chegam a todos nós. Nunca se mentiu e omitiu tanto como nos tempos que correm.
É por isso que nunca, como agora, foi tão importante apoiar o jornalismo de referência para defender o Estado de Direito Democrático.
Ninguém está imune a estes parasitas e esta semana calhou-me ter de levar com a invenção de que teria adquirido um novo carro para a Presidência da Assembleia Legislativa, quando, como demonstrou o Observador, essa aquisição foi feita um ano antes de eu assumir o cargo. Curiosamente, ainda, a semana passada, neste espaço escrevi que a mentira pode matar tanto como o vírus e que a omissão pode ser tão fatal como a contaminação. Parecia que estava a adivinhar.
Mas esta e outras “fake news” só demonstram o quão importante é ter uma comunicação social séria, plural e credível. Aqui, os cidadãos consumidores de notícias têm responsabilidades porque deixaram de assinar ou comprar os grandes jornais de referência, para consumir as “redes” e o sensacionalismo de alguns canais televisivos, fazendo ruir o pilar da Informação Responsável, um dos mais importantes das nossas Democracias.
Há um ano escrevi uma crónica para o Diário de Notícias da Madeira onde já manifestava a minha preocupação pelo facto de a maledicência estar instalada na nossa sociedade e a vida de todos andar nas bocas do mundo, assegurando que a privacidade já era e que, por este andar, a intimidade estava a caminho de ser um mito urbano. A situação só piorou com o tempo e nas redes sociais, que nalguns casos parecem mais redes de esgoto, reina a difamação e a injúria. Não interessa se o que dizem ou escrevem é verdade, o importante é denegrir a imagem de um adversário ou de alguém com quem embirram por tudo e por nada.
A Web que faz agora 30 anos e as redes sociais têm muitos aspetos positivos na difusão do conhecimento e na comunicação entre as pessoas, mas são, para alguns, uma espécie de esgoto, onde despejam anonimamente todas as frustrações e complexos. Há uns falhados na vida, tenho pena, que não podem ver nenhum dos seus concidadãos singrar que arranjam logo uns “novelos”, recheados de insinuações, a fim de manchar a carreira dos outros. Se alguém desmente, vêm logo com a desculpa de que “onde há fumo há fogo”, mesmo que esse fogo tenha sido ateado pelos próprios a ver se dá incêndio que se veja e que queime os visados. Por via de blogues sem autor, de perfis falsos no Facebook, de fotomontagens e de comentários anónimos, há quem vomite a sua boçalidade e maldade sobre os outros. Coisa bem diferente, é a sátira e o humor que podem e devem ser aceites, pois são salutares e estimulam o pensamento e a ação. Assim como admiro todos os que, com coragem, assumem livremente as suas opiniões e críticas, mesmo as mais dissonantes ou absurdas.
Como jornalista de carreira, com uma incursão na política, sou um fervoroso defensor da liberdade de expressão, e já dei muitas provas nesse sentido, mas também sou um adepto incondicional do respeito pela honra dos meus semelhantes. As notícias devem ser verdadeiras; as opiniões podem ser sectárias; as mentiras devem ser banidas e os insultos não são informação. É por isso que estes cobardolas que pululam nas redes são os piores inimigos dos jornalistas e da liberdade de expressão.
O inventor da web assegurou há uns tempos que esta se tornou “um monstro fora de controlo” que precisa de ser salva. Se as redes servem para eleger putativos ditadores e gente sem escrúpulos, então há que ter em consideração a importância que assumiram na divulgação tanto das verdades como das falsidades. Isto, sem contar com os conteúdos altamente perigosos para crianças e jovens, como os jogos de risco, que são disseminados na Internet. É por isso que as escolas têm de ter uma nova missão: ensinar a interpretar e a “checkar” o que se lê e se vê na web. Um estudo do Eurobarómetro indica que só metade dos portugueses conseguem identificar notícias falsas, uma percentagem muito preocupante e diferente da maioria dos países da União Europeia.
A Justiça portuguesa começa a atuar e já existem acórdãos que põem na ordem os prevaricadores, apesar de muitos cidadãos, ainda ignorarem as penalizações a que estão sujeitos quando lançam ofensas e escrevem mentiras. Finalmente, quem investiga começa a ter os meios informáticos para apurar quem são os “anónimos”. A questão está em saber se a injúria e a difamação devem ser crime, como está previsto no Código Penal Português ou apenas um ato ilícito sujeito a indemnização, como, estranhamente, estipula a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Seja como for, recentes acórdãos dos Tribunais superiores portugueses têm feito jurisprudência no sentido de considerar o Facebook e outras redes, espaços públicos onde se aplica a legislação sobre os atentados ao bom-nome das pessoas. Já há quem fale no nascimento de um novo ramo do Direito, o Direito das Redes Sociais. A própria União Europeia já aprovou uma Diretiva e um Plano de combate à desinformação. Só é pena que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos continue a considerar que o insulto e a difamação cabem no conceito de Liberdade de Expressão, condenando várias vezes Portugal pelo facto da nossa Justiça ter condenado pessoas por terem atingido a honra e a dignidade de outros concidadãos. Mas não tardará a mudar de opinião.
O ciberespaço tem de deixar de ser esta selva a que assistimos e um refúgio para os anónimos que propagam todo o tipo de mentiras, violências e ódios. Isto para não falar dos ciberataques que têm sido vítimas alguns jornais e instituições de referência.
Já fui vítima de muita patifaria na internet e já não lhes ligo nada, mas escrevo este artigo em nome das vítimas deste “bullying” social que ameaça os relacionamentos interpessoais e profissionais e faço-o, ainda, para alertar muitos cidadãos, que por ignorância, acreditam e reproduzem tudo o que lhes aparece à frente, sem cuidar de saber se é verdade ou mentira. É porque também eles estão sujeitos à Lei.
E por isso acabo como comecei, nunca, como agora, foi tão importante apoiar o jornalismo de referência para defender o Estado de Direito Democrático.