Esqueçam as sondagens pois, mesmo que viessem a confirmar-se numa eleição prevista para de 2019, elas não merecem confiança técnica. Confiança merecem eleições comparáveis, ou seja, somar as percentagens de votos ditos de «esquerda» (PS+BE+PCP) e de «direita» (PSD+CDS) nas eleições legislativas de 2015 e nas autárquicas de 2017.
Ora, a este respeito, apesar do barulho dos «media» sobre a «estrondosa vitória» do PS, os resultados variaram pouco: a «esquerda» teve 51%, ou seja, ligeiramente menos em 2017 do que em 2015 devido à migração de votos do BE para o PS, tendo este passado de 32,32% para 38,28%. Dito isto, o PS continua muito longe da maioria parlamentar e continua portanto dependente das suas duas actuais muletas. Entretanto, a «direita» passou efectivamente de 38,36% em 2015 para 34,63% em 2017, mas os 3,67% que perdeu não foram para a «esquerda» e sim para candidatos «independentes», género Isaltino de Morais, cujo eleitorado provém mais da «direita» do que da «esquerda»…
Com o recado que o Presidente da República (PR) mandou ao primeiro-ministro (PM) por causa da forma tecnicamente lamentável e moralmente cínica como o governo se comportou nas duas vagas de incêndios florestais em que morreram nada menos de 110 pessoas, algo se alterou na conjuntura política portuguesa e não foi a favor da «geringonça». O modo apressado como o governo obedeceu às ordens do PR, prometendo fazer em 14 meses o que não tinha feito antes de a floresta arder, dá a medida das responsabilidades que o governo sabe ter nas perdas de vidas e de bens, assim como do temor que sente perante a opinião pública.
Na realidade, nenhum governo fez nada daquilo que é agora prometido desde que a floresta começou a arder em Portugal devido a sucessivas causas bem concretas e conhecidas: vão elas desde a emigração maciça dos campos até ao declínio demográfico e ao abandono das terras do interior a Norte do Tejo, passando pela «privatização» dos baldios a seguir ao 25 de Abril e pela imediata desresponsabilização do Estado perante a floresta, assim como perante a chegada do eucalipto e da especulação a acrescentar ao pinhal já de si inflamável.
Sem cinismo, se é verdade que já o Duque de Ávila desistira de fazer o cadastro rural a Norte do Tejo em meados do século XIX e nenhum outro governo teve a coragem de o fazer, com que confiança encararemos nós esta promessa vinda de alguém como o PM, que já teve responsabilidades na Administração Interna e na Protecção Civil e se propõe agora nacionalizar o famigerado SIRESP, que tanto deve ter contribuído para esta tragédia? A adopção imediata, sem discussão, do Relatório sobre os incêndios pedido pelo PSD no Parlamento, é outra prova da precipitação com que o actual governo pretende deixar de falar daquilo que ocorreu e negou durante quatro meses.
Não é preciso ser desconfiado para imaginar que a primeira reacção do Governo ao recado do PR se deve, acima de tudo, à mudança de uma boa parte da opinião pública, como efectivamente se verificou já nas autárquicas, onde o PS perdeu a maioria em Lisboa e totalmente o Porto. Entretanto, o PR já se deu por contente com a exagerada rapidez das novas promessas e veremos, daqui a catorze meses, se ele lembrará ao governo os atrasos que inevitavelmente se verificarão nessa altura.
O que faltaria, para que essa aragem de mudança se transformasse numa efectiva viragem política seria uma recomposição drástica do leque partidário e um regresso efectivo da actual oposição à preconização das reformas fundamentais que o país precisa de fazer, sobretudo depois das reversões maciças de endividamento garantido a curto prazo. Com efeito, só essas reformas, que chegaram a ser iniciadas pelo anterior governo sob pena de falência do Estado, permitiriam tirar algum proveito da apregoada recuperação económica. Aliás, esta é mais aparente do que real no perigoso ambiente internacional, pois o aumento do PIB e a sua estrutura continuam a ser feitos à custa do défice orçamental e do aumento da dívida!
Essas reformas são conhecidas. Devem-se não só às condições sócio-demográficas marcadas pelo envelhecimento e o estado de saúde, com o aumento relativo dos reformados perante a população activa, mas também pelo atraso educativo, que continua a ser o maior da Europa e o grande responsável pela baixa produtividade do trabalho. A outra questão central é o facto de o governo actual não só não querer reduzir o peso do Estado como pretender garantir emprego público. E a razão não é meramente criar empregos mas sobretudo fidelizar eleitoralmente os funcionários como «clientes» dos partidos. Perante isso, a saída de Pedro Passos Coelho não só não ajudará em nada a oposição a capitalizar esta leve aragem de mudança, como nenhuma das duas candidaturas que se perfilam à liderança do PSD augura o que quer que seja de prometedor a tal respeito.