O conspícuo Presidente da República (PR) do nosso país vem dizer-nos que é imperativo reparar os danos feitos às antigas colónias portuguesas, em geral, decorrentes da colonização, tomando como exemplo os malefícios da escravatura. E, repare-se, o PR não se satisfaz com um pedido de desculpas. Quer uma reparação naturalmente que monetária.

A afirmação provocou uma série infinda de reacções, como era de esperar e o próprio desejava. Provocou-as cá dentro e no estrangeiro. Logo a esquerda aproveitou o ensejo para achincalhar a história do nosso país e retirar daí os costumeiros dividendos para a situação actual como se o passado pudesse ser lido e avaliado com os olhos de hoje.

Sem comentar a oportunidade da afirmação, que não tem obviamente consequências penais, vamos apenas pôr em destaque a conformidade constitucional da mesma. Ora, deste ponto de vista, a afirmação é absolutamente contrária à repartição constitucional dos poderes e pode gerar a responsabilidade civil extracontratual do estado português no exercício da função política. Não se entende como é que um constitucionalista como o actual PR a fez.

Na verdade, não lhe cabem iniciativas no âmbito da política geral, muito menos no da externa. Qualquer tomada de posição neste domínio cabe ao Governo, deliberando em Conselho de Ministros, e nunca ao Presidente. Este não se sobrepõe ao Governo no âmbito da política externa. A Constituição é perfeitamente clara neste aspecto. Estamos perante um caso de usurpação presidencial de funções governamentais.

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Mas o mais importante não é isto. O mais importante são os danos morais e materiais que aquela despudorada afirmação pode suscitar. Se amanhã os portugueses residentes nas antigas colónias forem molestados ou até agredidos em nome do nosso passado colonial quem é o responsável?

A resposta é esta: o responsável é o Estado português ou seja, todos nós em consequência dos eventuais danos que as afirmações do PR, no exercício da sua função política, que a ele cabe principalmente, despoletaram. Vêm aí uma cadeia de reacções, ainda no princípio, que ninguém sabe onde levarão e que consequências poderão ter. Na verdade, o estado português é responsável pelos danos consequentes ao exercício de qualquer das suas funções, sem esquecer a política, esta em larga medida da competência do PR.

Há um antecedente. Quando na década de setenta do passado século o ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha fez uma desajeitada e até ofensiva referência à Frente Polisário a propósito da sua luta pela independência do (estão) Sara espanhol, que desencadeou graves danos materiais e morais aos comerciantes espanhóis lá estabelecidos, estes pediram posteriormente uma indemnização ao Estado espanhol e os tribunais deram-lhes razão. Esperemos que amanhã os portugueses residentes nas antigas colónias ou outros não sejam incomodados em consequência das afirmações do conspícuo PR. Se assim for, e como o responsável é sempre o Estado e não a pessoa do PR, o pobre do contribuinte ainda pode ser obrigado a pagar por elas.

Se amanhã um pacato cidadão nacional for abordado por um angolano ou guinéu à saída do metropolitano ou na bicha do supermercado exigindo-lhe logo ali uma reparação em nome do horrível passado colonial, já sabe; é remetê-lo para o Ministério das Finanças com uma carta de recomendação e os cumprimentos do PR.