Sem grande surpresa, o arranjo governamental da “geringonça” que concedeu plenos poderes aos comunistas na condução das políticas de educação conduziu a uma ofensiva sem precedentes contra os contratos de associação e a (muito limitada mas ainda assim relevante) liberdade de escolha que lhes está associada. Com o Ministério nas mãos de Mário Nogueira, o ataque foi frontal e impiedoso, fazendo tábua rasa de compromissos assumidos, desrespeitando as escolhas e expectativas das famílias e negligenciando os interesses dos alunos envolvidos.

Para os comunistas, o que está em causa é, certamente, uma questão ideológica mas é também – e prioritariamente – uma questão de poder, salvaguardando e alargando uma área vital de influência para o Partido. Como explicou Hélder Ferreira:

«Tal como as reversões nas concessões dos transportes, toda esta polémica dos contratos de associação se resume a entregar ao PCP, via FENPROF e CGTP, o controlo total do trabalho na educação. São mais de cem mil professores e outros tantos funcionários (incluindo os transportes), um exército formidável que pode ser facilmente instrumentalizado conforme a conveniência do partido. É a isto que se chama negociar. O PCP não engole sapos, troca concessões inevitáveis por um poder extraordinário, que lhe permite ser o último partido marxista-leninista do mundo civilizado com peso na condução do Governo de um país como, onde e quando quiser.»

Percebe-se assim a forte mobilização em torno desta causa por parte do aparelho comunista e dos seus apoiantes. No frenesim do processo revolucionário em curso na educação, a consistência dos argumentos é secundária, mas vale a pena atentar na fragilidade de três dos que têm sido mais utilizados.

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O primeiro – e porventura o mais bizarro por levar quem o enuncia a admitir implicitamente a superioridade da oferta não estatal – é o de que há colégios com contrato de associação a funcionar com escolas estatais ao lado que ficam com muitas vagas por preencher. Por outras palavras: é urgente acabar com os contratos de associação porque, em condições de concorrência num patamar de igualdade uma boa parte das famílias prefere o serviço público de educação das escolas não estatais ao que é fornecido pelas escolas estatais. Ora, para quem respeite a autonomia das famílias e valorize os interesses dos alunos e a qualidade da educação, parece óbvio que a conclusão deveria ser a diametralmente oposta: se, em condições de igualdade, há escolas que são preferidas face a outras escolas então deverão, em princípio, ser as escolas que as famílias em liberdade rejeitam a encerrar e não as outras.

Um segundo argumento, relacionado com o primeiro, enfatiza os custos decorrentes dos contratos de associação e aponta para um alegado desperdício de recursos. Como bem relembra Artur Rodrigues a propósito desta temática, as políticas públicas devem ser concebidas para um horizonte de longo prazo e nesse contexto o mais relevante é o custo médio. As escolas estatais não dispõem de contabilidade analítica, pelo que é impossível saber com precisão os respectivos custos, mas tanto por via dos estudos empíricos sérios realizados como por via dedutiva tudo aponta para que o custo médio na maioria das escolas estatais seja bastante superior ao que corresponde ao financiamento alocado por via dos contratos de associação. Neste contexto, permitir a concorrência poderia possibilitar poupanças significativas de recursos públicos desde que as piores escolas fossem encerradas.

O terceiro argumento invoca a “laicidade” do Estado para defender o fim dos contratos de associação. Tendo o mérito de pelo menos deixar explícito que o que está em causa nesta ofensiva é (também) um ataque frontal à Igreja Católica, este argumento assenta na falácia de uma suposta neutralidade do controlo estatal da educação. A verdade é que nenhum projecto educativo – da Igreja, do Estado ou de qualquer outra entidade – pode ser “neutro”. Por isso mesmo, numa sociedade livre e pluralista o Estado deve-se abster de impor na educação tanto directivas religiosas como laicistas. No modelo soviético idealizado por Mário Nogueira e seus subordinados e seguidores, o laicismo deve ser obrigatório no serviço público de educação. Por contraste, numa sociedade livre, a natureza e os projectos educativos das escolas devem ser o resultado da escolha e interacção descentralizada de todos – e não da vontade dos planeadores centrais.

Importa no entanto ir além da refutação das falácias comunistas e reflectir mais profundamente sobre a liberdade de educação em Portugal. Como apontou João Vila-Chã:

«(…) o que está em questão, tratando-se dos Contratos de Associação em Portugal, é, por um lado, uma situação política favorável à tal «sovietização» de um setor vital para o futuro do País, como é o educativo, que nos faz temer pela prossecução não-discernida de políticas que trazem consigo de forma bem mascarada sérios atentados à liberdade de ensino, para já não falar de religião. (…) A «sovietização» do ensino em Portugal continua, infelizmente, a estar na ordem do dia; dependerá da cidadania recuperar, e confirmar, um direito que é inalienável e que, uma vez perdido, só se poderá grandemente lamentar. Estou convencido que, neste campo, a proverbial passividade dos portugueses, e de muitos dos seus líderes, só caramente se haverá de pagar.»

Neste contexto, deve ser louvado o público incentivo dado pela Conferência Episcopal Portuguesa a quem luta pela “liberdade de escolha das famílias” nas actuais – e difíceis – circunstâncias. Chegados a este ponto, importa primeiro fazer o possível para travar a ofensiva comunista na educação. Já se percebeu que o Ministério da Educação está entregue ao PCP, mas António Costa ainda vai a tempo de mostrar liderança e algum bom senso nesta questão, que é também o primeiro grande teste político para o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Não deverá no entanto ser esquecido que, embora preferíveis ao modelo soviético, os actuais contratos de associação estão longe de serem uma solução ideal, pelo que mais importante ainda seria aproveitar este momento para, como oportunamente sugeriu D. Manuel Clemente, reflectir de forma mais geral e aprofundada sobre a liberdade de educação em Portugal.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa