Das três espécies de gralha que habitam em Portugal, está por definir qual é a mais comum.
No litoral do Alentejo, vemo-las em bandos, mais em terra do que no ar. Assentam como mão que come e, em conjunto, limpam os campos, perturbam os agricultores e matam os pássaros pequenos com bicadas repetidas na cabeça. Quando levantam, deixam os campos envergonhados, de tão nus. As penas parecem-se com as dos corvos em tom menos carregado, mas o corpo diminuiu-se no parentesco. Também crocitam. No Verão, o vento passa quente pelas asas enquanto trocam grasnidos ao abrigo do Sol. Perderam o medo aos espantalhos mas têm-no aos apitos. Poisam onde querem, ainda que os homens, de braço no ar, pretendam afastá-las das colheitas. Aí, partem em círculo, aguardam que os homens se retirem, e regressam sem verdadeiramente terem ido. Sim, agem como mão que come.
Eu, que não sei o que é a agricultura, não imagino olhar um campo e fazer dele um desafio. Tratá-lo. Enquadrá-lo no tempo, plantá-lo e dominá-lo. Torná-lo uma extensão da vontade. E não imagino, quando a colheita cresce, vê-la predada pelas gralhas.
Só encontro paralelo noutra espécie de gralha, que se estendeu além do Alentejo, nidificando onde calha. E calha sempre em qualquer texto. Mesmo numa crónica. Atacam a escrita como as colheitas, mas, ainda que as procuremos com a obsessão do agricultor, elas insistem, pequenas quando procuradas e grandes quando achadas.
A caça às gralhas devia dar paz, como se apanhá-las assegurasse, pelo menos, algo certo e pacífico no texto. Só que nada é pacífico no campo da escrita.
Ao encontrá-las, levantam voo e poisam noutra letra, aninhando-se. Procurá-las implica a compreensão do voo e dos hábitos de predação. Onde poisam, comem e esgravatam. Porém, quando se pensa que o texto foi finalmente catado dessa ave, ela volta num pairar que quase não toca nas palavras, e mesmo assim as descompõe.
Ainda não foi inventado o método perfeito de caça. Talvez prender uma gralha à palavra e fazê-la chamar as outras. Apanhá-las em falso e expulsá-las. Mas elas percebem, escondem-se e continuam a nidificar depois da última leitura.
A terceira espécie é a gente que se faz gralha. Grandes passarões, evoluíram da típica vizinha de xaile, generalizada no rés-do-chão ou no primeiro direito, passaram pelas viúvas-de-vivos, como se diz no Delfim, que cochicham em bando nos vãos de escada, e cresceram sempre que se deixava a língua à solta.
Até agora encontrávamo-las dispersas. Uma vez por outra tropeçávamos num destes espécimes, só que entretanto, por força dos hábitos gregários, arranjaram poiso nas redes sociais e nos comentários. À mínima contrariedade, crocitam, excitam-se, abanam as asas, fincam as unhas. Debicam sempre que possível, e é sempre possível.
Prefiro vê-las como gralhas do que como trolls. É que um troll não tem a agilidade e a resposta fácil de um pássaro. A ornitologia explica tudo.