Depois de tudo, o PS está a frente nas sondagens. Depois do pântano de Guterres. Depois de Sócrates e da “troika” de Sócrates. Depois de oito anos de incompetência, fanatismo, prepotência, nepotismo e desonestidade que, para espanto de alguns, apenas produziram pobreza. Depois de o dr. Costa escapulir de um escândalo criminal e de os socialistas aclamarem como próximo chefe um dos maiores símbolos da incompetência, do fanatismo, da prepotência, do nepotismo e da desonestidade. Depois de tudo, o PS está à frente nas sondagens. Das três, uma: ou as sondagens são uma anedota, ou o eleitorado é uma anedota, ou a anedota é a oposição. Não tenho meios de confirmar as duas primeiras hipóteses. A terceira é fácil.
Por “oposição” entenda-se sobretudo o PSD, e esta é a “punch line”. Desde 2017 que o PSD desistiu de ser, ou fazer, oposição ao PS. A pedido dos telejornais, de comentadores sábios e, desculpem a redundância, do próprio PS, o PSD dedicou-se a ser, e a fazer, oposição ao Chega, um partido que com os seus defeitos e limitações não contribuiu sequer 0,01% para a desgraça económica, social e talvez mental em que estamos. Sempre que é questionado a propósito, e a despropósito, de eventuais entendimentos com o Chega, o líder do PSD deveria devolver a pergunta ao partido que já fez alianças com comunistas de estirpes sortidas e se prepara para colocá-los directamente no poder. Acontece que o PSD não tem um líder, e sim o pobre dr. Montenegro, que à semelhança do antecessor gosta de desenhar “linhas vermelhas”. Infelizmente, obedece às directivas do PS e desenha-as sempre à sua direita, e nunca à sua esquerda. De tanto brincar, o dr. Montenegro arrisca-se a que as linhas cubram de vermelho vivo um país morto.
Há um ponto comum às sondagens, a acreditar nelas: independentemente do partido mais votado, todas prevêem uma maioria parlamentar de “direita”. Após o precedente criado em 2015, e entretanto replicado até em Espanha, as eleições deixaram de ser ganhas pelo partido mais votado, mas pelo partido capaz de amanhar uma maioria parlamentar, tácita, explícita, assumida, disfarçada, não importa. Há outro ponto comum às sondagens: nenhuma sugere, nem de longe, que a maioria de “direita” dispense o Chega. Ou seja, só levaremos com a Frente Marxista do dr. Santos, o Carismático do WhatsApp, se a “direita” o permitir. Leia-se se, conforme os socialistas exigem e esperam, a aversão do PSD ao Chega for maior que a aversão do PSD ao comunismo. A bem do futuro, de modo a haver um, não convinha que fosse.
No meio das aldrabices que o projectaram no PS, o dr. Santos disse há dias uma verdade: não se pode comparar o Chega ao BE e ao PCP. Pois não. Apesar de populista, e de por isso cair em certos e evitáveis delírios, que eu saiba o Chega não aspira à abolição da propriedade privada, não saliva com a opressão fiscal, não defende a saída de Portugal do euro, da UE e da Nato, não se inspira nas ditaduras cubana ou chinesa, e não legitima o anti-semitismo ou os selvagens do Hamas (quanto à Rússia do sr. Putin a coisa é mais dúbia). Como recentemente lembrou Pedro Passos Coelho, o Chega não é anti-democrático. O PCP e o BE são-no. E um PS que os acolha sem as restrições que impõe à “direita” também.
Admitir que o Chega se opõe à democracia é admitir que boa parte dos eleitores que abandonaram o PSD se limitavam a aguardar a emergência de um partido “fascista”. Se isto parece estúpido, é porque é estúpido. O PSD perde eleitores para o Chega na exacta medida em que demonstra incapacidade, e provavelmente vontade, de atender às preocupações desses eleitores. Para evitar suspeitas de “radicalização”, de que foge com a rapidez com que os “activistas climáticos” fogem do banho, o PSD evita tocar numa data de temas em que o Chega, com inegável oportunismo e às vezes razão, toca. E o PS, que subjugou o principal adversário através do papão do “radicalismo”, agradece. E sente-se livre para radicalizar-se a cada dia.
Nisto o PS é eficaz, na arte de instalar uma ortodoxia, de definir o que é tolerável e o que não é. O PS criou um ambiente em que os acontecimentos são avaliados em função não do que representam mas da repercussão que têm na votação no Chega. O chefe de gabinete do PM guarda 75 mil euros em notas? É chato, visto que o forte indício de trafulhice pode converter pessoas ao Chega. Não lembrar a ninguém que o sucedido possa converter pessoas ao PSD diz imenso acerca do estado do PSD, que aceita as condições ditadas pelo PS e permite que o PS faça incondicionalmente o que quer – incluindo coligar-se com todos os lunáticos da Assembleia da República para acabarem de nos transformar numa Venezuela sem mar quentinho.
Convinha que não o conseguissem. O pior de se ser trucidado por um comboio não é o impulso que o acidente dará aos transportes privados: é o ter-se sido trucidado por um comboio. E o problema das políticas de extrema-esquerda não é o de fazerem crescer a extrema-direita: são mesmo as políticas de extrema-esquerda. Se uma “geringonça” por conveniência causou tamanhos estragos, imagine-se a devastação causada por uma “geringonça” por convicção. É sobre esta real ameaça de extremismo que o PSD, que historicamente combateu o PS moderado de Mário Soares, devia hoje falar sem parar. Sobre o Chega, que não precisa de ser aliado nem é o inimigo, o PSD devia calar-se.