O General Ramalho Eanes é uma pessoa. Ricardo Salgado é uma pessoinha. Podia acabar o texto assim que todos nós já tínhamos percebido a diferença… a enorme diferença entre um ser humano de caráter e outro cuja dignidade é tão diminuta como a sua capacidade de pensar em prol dos outros, isto é, nula. Alguns dirão que lhe devemos a presunção de inocência, mas eu prefiro colocá-lo naquela escadinha suja que vai para os arrumos da humanidade e não limitar a minha opinião por uma suposição, até porque ele foi sempre um presunçoso.
Mas isto não é um texto sobre Salgado. Infelizmente todos nós nos cruzamos com pessoinhas e até eu e o leitor somos às vezes uma pessoa pequena. Como quando estacionou no lugar reservado a pessoas com mobilidade reduzida porque estava atrasado, ultrapassou pela esquerda e se pôs a jeito para entrar naquela fila de dois quilómetros ou no dia em não devolveu o troco na cafetaria da escola secundária. Durma sossegado, garanto-lhe que não arde no inferno porque as vagas já estão todas preenchidas.
Sócrates, Rendeiro, Pinto, Vara, Lima, Morais, Santos…a lista de pessoinhas é interminável. Indivíduos que pela sua posição no poder político ou proximidade com o dinheiro desfazem vidas com o olho apenas no seu umbigo, na sua satisfação pessoal, no seu enriquecimento, muitas vezes próximos da insanidade e da alienação. E a estes a sociedade parece merecer um respeito, uma contenção absurda de não lhes chamar pelo nome certo: ladrões. No inverso, facilmente chutamos o termo ao rapazinho de 16 anos que furta uma caixa de lâminas de barbear no supermercado. Sendo que com os primeiros somos coletivamente roubados das mais variadas formas, quer seja pelo desvio de dinheiros públicos ou pela fuga aos impostos e mais profundamente na nossa dignidade como país.
Estamos socialmente tão pobres que quando aparece um Gouveia e Melo, com determinação e retidão, ficamos à espera do erro, tememos que lhe notem algum descuido para que a nossa fé nas pessoas se quebre como um copo de cristal que nos cai das mãos ensaboadas. Estamos sedentos de honestidade e honradez. Estamos exaustos do circo judicial montado à porta da casa da democracia, do número do palhaço rico que ridiculariza o pobre, porque este continua a tropeçar nos seus sapatos disformes e a sorrir ingenuamente perante a vida. Não é magia nem ilusionismo, é apenas um bando de saltimbancos que transita do direito para a política, da banca para o trapézio da corrupção, da fraude fiscal e do branqueamento de capitais, sem nunca manchar o seu colarinho branco. A justiça continua a dar-lhes palco, a comunicação social ilumina-os, num espetáculo decadente e pouco digno, que continua mesmo por detrás da cortina.