A de António Guterres. De modo a evitar “um conflito que será um desastre para a população do país”, o eng. Guterres apela ao “diálogo”. Há muito que a população vive entre a opressão e a miséria, disputa comida com cães e, quando ganha, acaba a comer os cães, mas estas ligeirezas ainda não configuram um desastre no curioso entendimento do eng. Guterres. A tragédia só virá se, por cima da violência e da fome, escassear o “diálogo”. Relembro aos jovens, que abençoadamente desconhecem a figura, que antes de dialogar na ONU e até antes de dialogar com refugiados sortidos, o eng. Guterres passou uns anos a promover o “diálogo” em Portugal, exercício que terminou no famoso “pântano” e na famosa “retirada”. O homem é o equivalente político daquelas bonecas que sopravam bolhas de sabão e pediam: “Anda brincar comigo…” Em 1995 ou em 2019, não se pode dizer que o eng. Guterres não tem ideias firmes. Infelizmente, tem apenas uma. E não chega a ser ideia.

B de Belo Governo que nos apascenta. Pela voz do dr. Santos Silva, o governo acha que o tempo do sr. Maduro acabou. Pelos vistos, e por sorte, só acabou agorinha mesmo, o que permitiu que durante longos anos, sob o sr. Maduro ou sob o sr. Chavéz, os diversos governos que o dr. Santos Silva integrou pudessem anunciar sucessivas negociatas com o criminoso, perdão, irmão regime venezuelano, com benefícios óbvios para alguns cidadãos de lá e de cá. Cá, pelo menos, ninguém será julgado, figurativa ou literalmente.

C de Caramba que o dr. Rio possui imensa iniciativa. Questionado sobre a Venezuela, o dr. Rio, que detesta ser questionado sobre qualquer assunto, fez o que costuma fazer: imitar o governo e decretar que “o tempo de Maduro acabou”. Não satisfeito, acrescentou ser prematuro reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Aparentemente, o que o dr. Rio propõe para a Venezuela é o vazio. Bate certo.

D de Diacho que a dra. Ana Gomes é mulher de convicções. Para a eurodeputada (é isso, não é?), o socialismo não falhou na Venezuela porque o regime do sr. Maduro – e, presume-se, do orangotango anterior – nunca foi socialista. É um “argumento” recorrente. Sempre que a aplicação prática do socialismo resvala para a ignomínia, o que acontece em cerca de 100% dos casos, deixa de ser socialismo e transforma-se na ideologia antipática mais à mão. Quando o socialismo funciona, o que acontece em cerca de 0% das situações, constata-se que o socialismo não falha.

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E de É preciso ter lata. Para os senhores e as senhoras do BE, o “chavismo” do sr. Maduro já não presta, embora não fique claro quando é que, após anos de veneração, deixou de prestar. Se certamente não foi quando o regime começou a censurar, prender e matar opositores, talvez tenha sido quando interrompeu (?) o financiamento de agremiações similares ao BE. Mesmo assim, e em homenagem aos louvores de antigamente, o BE mantém ressalvas, lembrando a “pressão política instrumentalizada de fora” (leia-se Trump e Bolsonaro), e explicando que “nem Maduro, nem Guaidó” possuem “legitimidade para estar à frente da Venezuela”. Defender o primeiro, nestes dias em que o BE decidiu fingir-se moderado e democrático, pareceria mal. Defender o segundo, de facto legitimado pelo voto e pela perseguição de assassinos, seria uma moderação exagerada.

F de Felizmente o PCP não desilude. Em pleno século XXI (linda expressão), os ingénuos ainda julgam apanhar os comunistas em falso, ao notar que estes, apesar disto e daquilo, apoiam ditaduras sanguinárias. Esqueçam o advérbio, meus caros: não há “apesar” nenhum. O PCP apoia ditaduras sanguinárias porque isso está na sua essência e, não sei se repararam, no seu nome. “O PCP condena com veemência a nova operação golpista orquestrada e comandada pelos EUA contra a Venezuela e o povo venezuelano”, reza um comunicado, sendo que “Venezuela” e “povo venezuelano”, em português, significam o conjunto de oligarcas e respectivos jagunços encarregues de ambientar os teimosos nas virtudes do leninismo. É método velho: à medida que a pedagogia vai eliminando os teimosos pela bala ou pela larica, o PCP exalta as conquistas revolucionárias e critica a América por perturbar o idílio.

G de Graças a Deus pelo jornalismo de referência. Na Sic Notícias, enquanto se exibe um “twit” do imperador da Bolívia (“Nuestra solidaridad con el pueblo venezolano y el hermano @NicolasMaduro, en estas horas decisivas en que las garras del imperialismo buscan nuevamente herir de muerte la democracia y autodeterminación de los pueblos de #Sudamérica.”), um jornalista descobre, sem estranhar, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Pouco depois, um especialista em temas, Nuno Rogeiro, repete, também sem manifestar qualquer surpresa, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Eis a utilidade da informação televisiva nacional resumida em minutos. Não admira que os canais ocupem a maior parte do tempo a debater foras-de-jogo e penáltis.

H de Hossanas ao serviço público. A RTP, que como as demais televisões ignorou, anos a fio, a triunfante marcha bolivariana para a radical penúria, informa que as ruas venezuelanas estão cheias de multidões “contra o governo e a favor do governo”, sem especificar que a proporção será a dos adeptos de um Benfica-Riopele no estádio da Luz. Garanto que preferia dissolver notas em ácido clorídrico a pagar semelhante esgoto. Misteriosamente, porém, o Orçamento de Estado não permite a opção.

I de I o que disse o prof. Marcelo? Provavelmente, que espera que tudo corra pelo melhor e que é preciso apurar responsabilidades, doa a quem doer. Falando a sério, não sei, nem quero saber, o que disse o prof. Marcelo, personalidade que enfeita “selfies” e que um dia voou para Cuba a fim de conhecer Fidel. Há limites para a paciência.

J de Juro que não imagino o que sucederá na Venezuela. Gostava que as pessoas recuperassem a exacta liberdade que o socialismo suprimiu. E, por muito que desconfie de heróis, tendo a acreditar que Juan Guaidó será o homem adequado ao processo, não tanto pela decência dos que o apoiam, mas pela indecência dos que o contestam, assumida ou, pior, disfarçadamente.

Nota de rodapé

Sobre a “Quadratura do Círculo”, disse o dr. Costa em depoimento gravado: “a democracia exige um debate plural, inteligente e culto e foi isso que o programa tem sido [sic] ao longo destes anos”. Sobre os incidentes no Bairro da Jamaica, disse o dr. Costa em resposta à dra. Cristas: “deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno.” Como todos os estadistas minúsculos, o dr. Costa é um enigma. Nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou no carácter.