Vivemos na era da informação. Nunca tantos tiveram acesso tão ilimitado a informação instantânea. À partida isto é muito bom, certo? Kofi Annan disse: “Conhecimento é poder. A informação liberta. A educação é a premissa do progresso, em qualquer sociedade, em qualquer família.” A propósito, acabei de retirar esta citação da internet com um simples clique de dedo. Presumo que seja verídico que tenha sido dito pela pessoa em questão.  Mas de qualquer forma concordo em pleno com o seu conteúdo.

Vivemos também numa época de desinformação. Um estudo recente do MIT (Massachusetts Institute of Technology) veio demonstrar que as notícias falsas viajam seis vezes mais rapidamente do que as notícias reais. Inicialmente as redes sociais trouxeram-nos tanto de bom que, esquecemo-nos, por completo, de olhar para o reverso da medalha.

Todavia, o problema da indústria da tecnologia de informação vai bem para além da disseminação da desinformação. As redes sociais têm vindo a ser associadas a um aumento dos níveis estimados de ansiedade e alienação. Pessoalmente, aconselho todos os pais a verem o documentário “The Social Dilemma” (O Dilema das Redes) no Netflix. É-nos mostrado, por ex e atuais CEOs e designers técnicos de alguns dos sítios das redes sociais, o seu lado mais negro. O número de adolescentes entre os 15 e os 19 anos que dão entrada nos hospitais por lesões autoinfligidas não fatais, sofreu um aumento de 62% desde 2009. Entre as crianças mais novas, com idades entre os 10 e os 14 anos, a percentagem é muito maior. Números chocantes. Infelizmente, o padrão repete-se em relação ao número de suicídios.

Há toda uma geração que parece mais frágil, mais deprimida, mais ansiosa e mais alienada. As redes sociais assumem o controlo das suas vidas e chegam ao ponto de controlarem o seu próprio sentido de autoestima e de identidade. Tornam-se totalmente dependentes da aprovação social que lhes é dada a cada minuto pela quantidade de “gostos” que recebem por qualquer uma das suas publicações. Tomam como exemplo padrões irrealistas de beleza e de estilo de vida – muitas vezes falsos. Não é que isto não tenha acontecido antes. As revistas sempre publicaram imagens de figuras públicas “perfeitas” vivendo vidas “perfeitas”. O problema é que agora não são apenas imagens de figuras públicas. São dos seus próprios amigos e são constantes.

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As pessoas ficam agarradas – como qualquer outro viciado. É irrelevante se se trata de Instagram, Facebook, Twitter, YouTube, TikTok ou Google. Todas estas redes concorrem pela nossa atenção. São desenhadas para descobrir o que gostamos de ver. Estudam a forma como pensamos e do que gostamos e, em seguida, alimentam-nos com tudo isso para absorver a nossa atenção o mais possível. Como contrapartida, vendem milhões de dólares em publicidade, fazendo com que estas empresas se convertam nas empresas mais ricas da história da humanidade.

Tudo o que fazemos online é rastreado. Os algoritmos utilizados conhecem-nos melhor do que nós mesmos. E isso é uma mina de ouro para os publicitários. Em troca da nossa atenção, que voluntariamente lhes damos de graça sem sequer nos apercebemos, eles vendem publicidade. Há que reconhecer que é excelente modelo de negócios.

Mas as redes sociais vão mais longe. Têm a capacidade de mudar a forma como pensamos, o que fazemos e até quem somos. Basicamente, tornámo-nos cápsulas (pods) no Matrix. Como é possível que uma mão cheia de web-designers de Silicon Valley tenha tanto poder sobre biliões de pessoas? Na sua essência, este é um ataque global à própria democracia. Estas redes sociais transformaram-se na arma de persuasão mais eficiente alguma vez criada. Já imaginaram o que isto significaria nas mãos de um ditador que quisesse controlar a população de um país?

Entretanto a leitura saiu de cena. É muito mais fácil aceder à Netflix do que ler um livro. O problema é que a leitura é crucial. Desenvolve o nosso vocabulário; estimula a nossa imaginação, melhora a nossa apreciação e compreensão da cultura, aumenta o nosso conhecimento, prolonga a nossa capacidade de atenção e assim por diante. Tente fazer com que um adolescente leia, hoje em dia. Aperceber-se-á de que é uma árdua batalha.

Quando o Facebook foi lançado, a ideia era aproximar-nos. Os utilizadores tiveram a oportunidade de entrar em contacto com amigos e/ou familiares que não viam há anos. Em vez disso, creio que acabou por nos separar. Nunca antes testemunhámos níveis de polarização como os que existem atualmente nas sociedades ocidentais. Nunca antes testemunhámos tamanha quebra de confiança nas instituições políticas e na ciência. Acomodamo-nos dentro das nossas bolhas, conversando apenas com aqueles que concordam connosco e que validam as nossas opiniões preconcebidas. Seguimos apenas aqueles de quem gostamos e envolvemo-nos cada vez menos no contacto social e em debates com quem discorda de nós. Perdemos a capacidade da visão periférica, do contra-ponto, sem que tenhamos tomado consciência disso.

Essencialmente, estamos a fomentar o desenvolvimento de uma geração de pessoas de mente fechada, que raramente ouvem o outro, e que são bombardeadas por desinformação que manipula a maneira como pensam e, em última análise, a maneira como agem. As perceções subjetivas substituíram a observação objetiva. Os factos foram enterrados para dar lugar às emoções.

Como podemos combater isto? Eis a grande questão.  As escolas deveriam constituir o fórum indicado. Através da clarificação do modo de funcionamento das redes sociais a escola pode chamar a atenção para o problema. A escola deveria também incentivar o desenvolvimento do pensamento crítico. Infelizmente, nos últimos tempos, a tendência vigente é a de que discussões abertas e opiniões manifestas que possam pôr em causa movimentos ditos “progressistas” podem rapidamente levar a que sejamos classificados como intolerantes, racistas, homofóbicos e assim adiante. A maioria das pessoas permanece calada, nunca expressando as suas verdadeiras opiniões, com medo de não ter acesso às universidades da sua escolha ou de poder perder o emprego.

Uma outra opção é a regulamentação. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) foi um começo. Mas precisamos de ir mais longe, regulamentando os dados comportamentais ou não permitindo a essas empresas que forneçam o acesso aos nossos dados a terceiros sem um mandato judicial, por exemplo.

Os pais também podem, e devem, educar os seus filhos e limitar o tempo que eles “gastam” nas redes sociais – uma outra árdua batalha.

Poderemos forçar essas empresas a controlar, tanto quanto possível,  os seus conteúdos, prevenindo certos conteúdos básicos como a pornografia infantil e impedir que crianças tenham acesso a conteúdos violentos e pornográficos.

Não é clara a forma como esta autorregulação pode e deve ser feita. Por exemplo, recentemente o Twitter decidiu banir as mentiras de Trump. Mas, mais uma vez, será esta a solução? Talvez o Twitter esteja a tentar favorecer a esquerda ou os movimentos progressistas. Será que mais ninguém nos EUA mente ou tenta manipular a nossa compreensão dos eventos? Como liberal que sou, sinto-me um pouco incomodada ao constatar que os conglomerados de redes sociais decidem o que pode e o que não pode ser visto nas suas próprias plataformas para alem de certos conteúdos acima mencionados.

Alguns simplesmente não aderem às redes sociais. Admito que a Netflix é muito mais a minha praia e não perco tempo com as redes sociais. Mas quando sinto que está a interferir com o meu tempo de leitura ou a manter-me acordada apenas para que possa assistir a “mais um episódio …”, procuro manter o meu Ipad longe do quarto e mantenho uma coleção de livros sempre à mão. Porém, caminho para os 50 anos… Não sou propriamente uma adolescente em idade escolar cuja vida social depende por completo das redes sociais.

É evidente que os níveis crescentes de ansiedade e de depressão, o aumento da polarização de opiniões, a desinformação, a solidão e a alienação não podem ser atribuídos exclusivamente à indústria da tecnologia de informação. A vida nunca é assim tão uni-dimensional. Mas o facto é que as redes sociais tem vindo a contribuir para estas questões  de forma vital. Está na hora de percebermos isto e de começarmos a pensar no que fazer para mitigar este problema.

Versão em inglês.