Entramos no tempo de férias, depois de um ano com um balanço positivo. Muitas pessoas arranjaram emprego neste último ano – foram mais de cem mil de acordo com os dados mais actuais do INE relativos a Maio. A economia registou em 2018 o mais forte crescimento desde o início do século XXI, para usar as palavras do primeiro-ministro e, consequência disso e da mão de ferro do Governo, o défice público manteve-se controlado e com um valor historicamente baixo. Um quadro que se completa ainda com mais um ano de estabilidade política. Para usar a metáfora em voga neste Verão – usada por António Costa nas declarações para o New York Times e no último debate do Estado da Nação –, é uma síntese do lado luminoso da lua. Há obviamente o outro lado da lua que mistura a herança do passado da dívida e as escolhas que este Governo fez.

Neste retrato da economia, a maior preocupação continua a ser a dívida total da economia, mais de 700 milhões de euros atingindo um novo recorde em Maio devido fundamentalmente ao sector privado. O que não quer dizer que a dívida pública não seja igualmente elevada. E é nisto, na dívida, frente que está a nossa maior fragilidade. Qualquer abalo mundial tenderá a afectar-nos significativamente. por causa desta antecipação de rendimentos futuro que fizemos e que parecem não chegar no ritmo necessário. Precisamos de crescer mais para que não voltemos a cair nas mãos dos credores. Porque mesmo uma reestruturação da dívida, como é pedida pelos partidos à esquerda do PS, significará condições, se for negociada. ou um mergulho numa crise muitíssimo mais grave do que a vivida na era da troika, se dissermos “não pagamos”.

Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos de Donald Trump estão a mudar a geografia política do mundo. Vale a pena ler Gideon Rachman no Financial Times que nos dá uma racionalidade para a nova política externa norte-americana. Do ponto de vista puramente económico, estamos desde já a viver no centro de uma guerra comercial que terá inevitáveis efeitos de abrandamento da actividade económica. Nas estimativas do FMI esta guerra comercial pode significar uma produção mundial inferior a 0,5% do PIB mundial em 2020 quando se compara com a projectada neste momento.

Aos impactos das tensões no comércio global, com epicentro nos Estados Unidos, temos de somar o efeito do processo e da saída do Reino Unido da União Europeia. Seja qual for o modelo, mais ou menos suave, a reintrodução de fronteiras significa um aumento do custo de fazer comércio com o Reino Unido (com consequências mais negativas do que a introdução de direitos aduaneiros como se pode ler neste artigo de Paul Krugman). Há ainda a considerar, no Brexit, todas as alterações nas migrações dentro da União Europeia, no orçamento europeu e no sistema financeiro.

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Este enquadramento exigia que União Europeia ou apenas a Zona Euro estivesse unida e sólida. Não é obviamente isso que vemos. As divisões Norte/Sul, geradas pela crise das dívidas soberanas, deram lugar a divisões Este/Oeste por causa das imigrações. O novo governo italiano agravou ainda mais o problema europeu em lidar com a imigração e a própria Alemanha vive tempos de instabilidade. A chanceler Angela Merkel, a grande defensora da UE, vê-se hoje fragilizada. E estamos longe dos tempos em que podíamos contar com um presidente da Comissão Europeia que liderava uma equipa com soluções. O segredo mais mal guardado do alcoolismo de Jean-Claude Juncker acabou de ser totalmente destapado depois do que se passou na cimeira da NATO – no The Spectator podemos ler o título “Jean-Claude drunker”.

Este é o quadro externo com que vamos para férias: em que os Estados Unidos deixaram de ser um aliado previsível e a Europa da União está completamente perdida, embrulhada nas suas teias burocráticas, politicamente incapaz de tomar decisões e confrontada por Trump com a sua fragilidade em matéria de Defesa. Neste momento temos já em perspectiva um crescimento mais lento da Zona Euro – de acordo com o FMI deverá crescer 2,2% este ano em vez dos 2,4% previstos em Abril.

Basta ter como referência este enquadramento para percebermos que é elevada a probabilidade de este ano de 2018 e o próximo serem economicamente piores para Portugal do que foi 2017. Quanto pior? Dependerá da transformação, ou não, destas diversas tensões em efectivas tempestades. Mas mesmo com o que já está a acontecer podemos perspectivar menos crescimento.

A economia portuguesa tem ainda de somar aos factores externos gerais, um outro aspecto específico: o que se está a passar no turismo. Assim como em 2013 se via que o turismo em Portugal estava a beneficiar com a instabilidade no Norte de África e no Médio Oriente, hoje já vemos o efeito da estabilização dessas regiões com quebras no Algarve,por via de uma política activa de reconquistar os turistas, que está a ser realizada por países como a Turquia e a Tunísia – com preços da ordem dos 300 euros para ofertas que no Algarve custam 1500 euros como se pode ler aqui.

O turismo, do qual já nos queixamos e que já merece a atenção dos deputados para a regulamentação – veja-se as regras aprovadas para o alojamento local –,  tem sido um importantíssimo sector de criação de emprego directo e indirecto e o grande indutor da requalificação dos centros de grandes cidades como Lisboa e Porto. A entrada de turistas e de estrangeiros residentes em busca de benefícios fiscais ou de vistos “gold” têm sido determinantes na recuperação do mercado imobiliário ao ponto de estarmos perante um novo risco de bolha imobiliária. Uma quebra acentuada do turismo terá efeitos no emprego e pode desencadear uma nova vaga de problemas na banca.

Usando uma metáfora utilizada pelo ministro das Finanças, ainda não estamos em “porto seguro” para enfrentarmos uma nova crise. Precisamos de mais tempo com esta onda de turismo que nos permita a afirmação de outros sectores criadores de emprego –quais não sabemos – e especialmente que nos crie espaço para reduzir a nossa enorme dívida pública e privada – mais de 700 mil milhões de euros. Podíamos ter aproveitado melhor estes últimos dois anos e meio mas a solução de Governo que saiu das eleições não o permitiu.

Finalmente aquilo que temos tido como garantido nos últimos quase três anos, a estabilidade política, estará a ser desafiada quando regressarmos de férias pelo Orçamento do Estado para 2019, o último a ser realizado por este Governo. Neste momento, o cenário mais provável é que o Orçamento seja aprovado mas não sabemos a que preço. A reivindicação dos professores, de contagem de todo o tempo de serviço congelado para a progressão na carreira a ser pago a prestações, coloca um peso no Orçamento que era inesperado e que obrigará a fazer escolhas difíceis, mesmo que não sejam visíveis no curto prazo. Como aliás as escolhas passadas deste Governo começam a ser vistas agora com a falta de investimento em reposição de equipamentos, como se vê especialmente na Saúde.

É a condição de devedores, quase quatro vezes o valor do nosso PIB, num enquadramento externo arriscado e depois de escolhas recentes de satisfazer rapidamente o aumento do rendimento, que significou mais despesa pública fixa sem investimento, que justifica a bagagem de preocupações com que entramos neste período de férias. Nunca como agora uma das famosas frases de Vasco Pulido Valente foi tão actual: “o mundo está perigoso”. Não nos esperam tempos fáceis depois das férias.

P.S. – Durante as próximas duas semanas não escreverei esta coluna. Boas férias e boas leituras.