Depois de uma experiência forçada de aulas online como professor do ensino superior, admitindo algumas desvantagens que abaixo explicitarei, só posso tecer boas críticas quanto a este meio de ensino. No entanto, nem todos reagiram bem a este imprevisto. Muitos são os que ficaram desejosos que se voltasse ao presencial. Muitos professores sentiram-se “exaustos” ao fim do dia de aulas online, bem como alunos, muitos sentiram-se sozinhos e desmotivados e já não viam o dia em que retornassem às aulas presenciais.
Por comentários de vários dirigentes do ensino superior que tenho ouvido – e o que tenho lido confirma isso mesmo – esta mudança não planeada das aulas online foi algo de “forçado” e “temporário” e não visto como aprendizagem para um aprimoramento pedagógico e social. Além disso, nem sequer o modelo híbrido é visto como possibilidade para o futuro.
Esta decisão de mudar para o online, motivada pelas recomendações do SNS, teve ampla concretização e a mesma movimentou esforços de todos, desde os dirigentes ao pessoal docente e não docente. Não foi fácil, mas o balanço só pode ser positivo. A questão que se coloca é: depois desta experiência, as aulas online são para ficar para o futuro? Nem que seja no modelo híbrido, visto que o presencial existirá sempre?
No final de maio 2020, a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, anunciou que “não irá ter aulas presenciais em 2020/21”. No mundo empresarial, é rápido o movimento para o trabalho remoto. O CEO do Twitter, Jack Dorsey, anunciou que permitiria que os seus funcionários trabalhassem em casa para sempre após a pandemia e outras empresas de tecnologia seguiram a opção do teletrabalho, pelo menos durante a pandemia: Google, Microsoft e Amazon, só para citar alguns empresas de tecnologia.
Num estudo com uma amostra de 2673 trabalhadores belgas, sobre os efeitos do trabalho remoto, a grande maioria dos participantes foi unânime em afirmar que o trabalho remoto e o uso da videoconferência vieram para ficar (85% e 81%, respetivamente). Em 150 diretores de recursos humanos portugueses entrevistados pelo Barómetro Kaizen, 70% prevê que a sua empresa adotará um modelo de trabalho híbrido.
Se há tantas evidências do sucesso do teletrabalho no mundo empresarial e é o presente e futuro, porque não preparar já os alunos para o que os espera? Não é a universidade a preparação para o mundo real? Não é objetivo da universidade dotar os seus alunos de conhecimento e experiência, passíveis de transmissão para o trabalho? Não devem os currículos universitários estar consonantes com as necessidades do mercado laboral, ao nível de conhecimentos e competências?
O que me parece que são as desvantagens das aulas online:
- Muitos alunos sentiram uma extrema solidão e necessidade de convívio. É verdade que a grande maioria dos estudantes está numa idade em que a componente social é muito importante, mas onde está a sua capacidade de adaptação e resiliência, também características desta idade? O que nos diz o senso comum é que os jovens estão prontos para tudo e os velhos é que resistem à mudança, mas não foi o caso; um em cada cinco millenials admite não ter um único amigo, segundo a economista Norrena Hertz. No que toca à Geração Z, será um fenómeno parecido? Segundo um estudo do Pew Research Center sobre o teletrabalho durante a pandemia, os jovens são um dos grupos que sofreu mais.
O que me parece que são as vantagens das aulas online:
- É positivo assinalar que as autoridades foram prudentes e inteligentes ao propor as aulas online como forma primordial de nos protegermos contra o vírus;
- As aulas online permitem uma agilidade que não existe nas aulas presenciais. A componente física aproxima professor, aluno e a própria turma entre si, mas também dispersa atenções. No entanto, o balanço é positivo. É possível, por exemplo, disponibilizar ficheiros e recursos online de forma rápida. Aqui, muitas universidades já estavam preparadas com os LMS (Learning Management Systems), mas é preciso ir mais longe;
- Permite a poupança do ambiente, tanto na redução de impressão de papel, como de poluição, por causa da diminuição das deslocações;
- Melhora a performance do trabalho em grupo pois existem muitas ferramentas online de trabalho colaborativo e edição em tempo real que agilizam e tornam mais eficientes estas tarefas (p. ex softwares como o Miro, Trello, Slack, Teams, Google Drive, Onedrive);
- Poupa recursos à universidade: para dinamizar aulas práticas, basta criar salas simultâneas num qualquer software de videoconferência, configurar e criar quantas quisermos. Na vida real, ia ser preciso reservar salas e empenhar meios humanos e materiais. Com alunos e professores na universidade, gasta-se luz, água, limpeza, recursos humanos;
- As aulas online permitem uma maior conciliação família/trabalho para todos. Professores, alunos e staff. Poderão realizar tarefas que não poderiam com a perda de tempo com deslocações, poderão dar tempo à família, a assuntos pessoais e ao lazer e saúde pessoal. Denotemos os níveis de stress e ansiedade que vivemos, a realização daquelas tarefas reduzem-no;
- As aulas online permitem a redução de tempo e dinheiro gasto nas deslocações de/para a universidade.
Para que esta mudança seja possível, é necessário:
- Existir mindset suficiente para esta mudança forçada, a qual recebeu muita resistência;
- Os alunos possuírem uma maturidade maior. Maturidade significa liberdade e responsabilidade, proatividade e autonomia na escolha e esforço que fazem no seu caminho letivo. Cheguei a ter situações de pais que iam verificar se o menino estava na aula online;
- Mudar a forma de dar aulas: no online não se pode ir “debitar matéria”. Ganha terreno o trabalho prático, os debates, os estudos de caso, os exercícios online, as aulas assíncronas com tarefas, exercícios e reflexões, trabalho de grupo, etc. Mas não é essa a principal diferenciação do ensino superior: a promoção do pensamento crítico e do trabalho em equipa? Não estranha que certos docentes estejam “exaustos”. Uma aula online não se dá como a presencial;
- Aumentar/comparticipar a infraestrutura informática de professores e alunos (já para não falar dos outros custos: luz, água, gás). Por exemplo, tive de usar o meu computador pessoal para fins profissionais. Também seria importante comparticipar os custos informáticos de alunos desfavorecidos;
- Mais do que infraestrutura, há que investir nas competências digitais, nomeadamente as aulas online, o trabalho com ferramentas digitais de trabalho colaborativo, competências de comunicação remota, soft skills de gestão de equipas, resiliência – para alunos e professores;
- Mudar o mindset do ensino superior para mais proatividade, ambição e resiliência. Este é o momento para se abraçar a mudança, de modo a oferecer aos alunos uma verdadeira preparação para o mercado laboral.
As evidências parecem demonstrar que um modelo híbrido traria o melhor dos dois mundos. Por um lado, as aulas teóricas transitarem para o online e as práticas com promoção de debates e trabalhos de grupo. O online já simula e até supera bastante o modo presencial. A vantagem dos alunos se deslocarem à universidade em pessoa seria não apenas pela conveniência de certas aulas presenciais e laboratoriais, mas também pela componente social, também muito importante no seu crescimento.
A mudança é motivada por muitos fatores externos. Temos de saber ler que tipo de mudança é. Se nos vai ajudar nos nossos objetivos ou dificultar. O mundo do trabalho está a mudar rapidamente. Se a universidade não segue esse ritmo, arrisca-se a tornar-se irrelevante como meio de preparação para o mercado de trabalho e para a vida. Frequentemente, as crises são oportunidades e possuímos duas hipóteses, ou aderimos a elas ou elas aderem a nós.
Bibliografia:
Baert, S., Lippens, L, Moens, E., Weytjens, J. & Sterkens, P. (2020). “The Covid-19 Crisis and Telework: A Research Survey on Experiences, Expectations and Hopes”. IZA Discussion Paper No. 13229.
Buzzfeednews. (2020, Março). “The Coronavirus Is Forcing Techies To Work From Home. Some May Never Go Back To The Office”. Acedido a 23 de Abril, 2021.
Buzzfeednews. (2020, Maio). “Twitter Will Allow Employees To Work At Home Forever”. Acedido a 23 de Abril, 2021.
Kaizen Institute. (2020). Barómetro Kaizen. Acedido a 23 de Abril, 2021.
Pew Research Center (2020, Dezembro). “How the Coronavirus Outbreak Has –and Hasn’t – Changed the Way Americans Work”. Acedido a 24 de Abril, 2021.
Visão. (2021, Julho). “Um em cada cinco millennials admite não ter um único amigo“. Acedido a 12 de Julho, 2021.