Perante um contexto de desaceleração do PIB, de aumento do endividamento público, da deterioração financeira do sector empresarial público, da perda de competitividade, da dificuldade no financiamento externo, prejudicado por decisões políticas inadequadas, um cenário de austeridade era inevitável.

Recuperar a credibilidade internacional era fundamental. Para tal, as decisões políticas não podiam ser baseadas na expressão de uma retórica discursiva de intenções. Actos coerentes com a mensagem política eram essenciais. Foi o governo português, após um processo negocial com as institucionais internacionais, quem teve a responsabilidade de executar o plano que visava a correcção dos desequilíbrios, pois sem o comprometimento das autoridades portuguesas os mercados não confiariam no programa de ajustamento. Obviamente, a oposição, independentemente das suas responsabilidades, opôs-se veementemente.

Note-se que as medidas constantes do programa de ajustamento eram duras: redução da despesa pública, aumento de impostos, diminuição de número de funcionários públicos, cortes de gastos correntes, moderação salarial, congelamentos de carreiras, redução de apoios e de subsídios, etc.

Não sabemos se fazia sol ou chuva, quando as circunstâncias obrigaram o Governo português a implementar estas medidas de austeridade. Sabemos que os tempos eram de tormenta e que as debilidades estruturais da economia portuguesa se fizeram sentir. Sabemos também que tivemos um Primeiro-ministro com o discernimento necessário para fazer o que tinha de ser feito. E fê-lo com convicção, tendo, para o efeito, expressado o seguinte:

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  • “Quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este governo”;
  • “O que sucede é que uma empresa quando entra em falência (…) deve pura e simplesmente falir. (…) Só uma concepção estatal e colectivista da sociedade é que atribui ao Estado essa responsabilidade”;
  • “(…) política de austeridade, dura, mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o país caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre”.

O leitor pode estar a pensar que me refiro a Pedro Passos Coelho. Se o pensa, está enganado. Estou a recordar a postura de Mário Sores, em 1983-85, enquanto Primeiro-ministro e interlocutor com o FMI.

Há coisas curiosas. Os marxistas, os bloquistas e afins, são os primeiros a ignorar as palavras de Karl Marx quando estas não lhes são convenientes. Já os socialistas preferem ignorar o exemplo de Mário Soares. E ficam ofendidos quando são confrontados com a verdade.

As escolhas definem as pessoas. E é perante as escolhas impopulares que os políticos revelam o seu carácter.

Mário Soares, perante uma escolha, não cedeu e afirmou o socialismo democrático. Já tinha dito não ao comunismo quando meteu o socialismo na gaveta para salvar a democracia. Anos depois, confrontado com a inevitabilidade de medidas impopulares, defendeu a necessidade da austeridade. Factos!

Que fez António Costa? Precisamente o contrário. Aliou-se aos comunistas e aos bloquistas, i.e., à extrema-esquerda, ficando refém de ideologias totalitárias. Ou seja, ao pôr democracia na gaveta, atingiu o legado soarista de defesa do socialismo democrático. Para além disso, disfarçou a austeridade com cativações, elevou a carga fiscal sobre os portugueses a níveis nunca vistos, aumentou consideravelmente a despesa fixa do Estado e infestou a administração pública com mais boys socialistas. Como habitualmente, a única coisa que não fez foi cumprir as promessas eleitorais. António Costa não cumpre. Só promete.

Em 2015, quando se começou a falar da geringonça, afirmei que António Costa ficaria refém da extrema-esquerda e que isso significava o desaparecimento do PS de Mário Soares. Hoje é inquestionável que assim aconteceu.