Parece que sucedeu num passado longínquo, mas foi somente há pouco mais de três meses que André Ventura, no rescaldo da noite eleitoral – após receção apoteótica dos seus militantes ao som de Conquistador dos Da Vinci – proclamou o término do bipartidarismo no quadro político nacional.
Tal afirmação foi suscitada, provavelmente, por o partido que lidera ter ultrapassado a marca de um milhão de votos, estabelecendo-o isoladamente e no momento como o terceiro maior político português, com considerável distância para os que hierarquicamente se seguem.
O poder conferido ao líder do Chega, materializado nos 50 deputados eleitos para a Assembleia da República, envolveu Ventura numa espiral de responsabilidade e expectativa governativa para a qual o referido não se encontrava preparado.
As circunstâncias de frágil governabilidade que se marcaram logo de início pelo episódio da eleição do Presidente da Assembleia da República, colocaram o visado à prova, tendo este, numa demonstração de egoísmo e ausência de flexibilidade negocial, reprovado categoricamente.
Foi no retratado primeiro dia de trabalhos do hemiciclo parlamentar que caiu a primeira pedra do muro que cercava e protegia aquele que se julga predestinado. Mostrou-se notório que a postura desta nova bancada não confere qualquer progresso ao país e, por sua vez, ainda se encontra capacitada para o atrasar.
Mas André é um génio político e, apercebendo-se que volvido um curto hiato já se situava tão distante do seu expoente de popularidade, organiza a sua esfera partidária em torno de uma abordagem antagónica. Abandona a parábola da luta contra o sistema e do afastamento das grandes elites políticas, apresentando para as eleições europeias um candidato possuidor de relevante experiência na conjetura europeia e conhecedor dos respetivos meandros.
O exercício de funções políticas em enquadramento internacional e a reputada carreira diplomática de Tânger Correia, configuravam-se ingredientes perfeitos para que o Chega fosse capaz de transmitir a ideia de partido enraizado e credível.
O articulado plano detinha tudo para se verificar próspero, tanto que fez Ventura assumir publicamente a projeção de vitória. Contudo, numa manifestação de superior savoir faire, os remanescentes líderes responderam – na sua maioria – com candidatos que pela sua familiaridade com os portugueses fazem o curriculum de Tanger Correia passar completamente despercebido.
Em consequência da eleição, a resultante e acentuada diferença para os dois partidos mais votados (PS e PSD) aliada à ténue vantagem quando comparado com a IL (4.º partido mais votado), espelham o fracasso de Ventura e provocam a ruína da cerca inderrotável que resguardava o mencionado.
Num futuro bastante próximo confrontar-nos-emos com a ocorrência de eleições autárquicas. É, por norma, na atividade política local que se introduzem e desenvolvem os quadros que posteriormente concorrem à Assembleia da República, motivo pelo qual se considera fulcral o mui antecipado planeamento do sufrágio que se avizinha.
Os portugueses na sua generalidade – incluindo parte significativa do eleitorado do Chega a 10 de março – já se aperceberam do quão facilmente o projeto se pode desmoronar, razão pela qual a persuasão de potenciais candidatos autárquicos se dificulta.
Não bastante, a ocasião em que o critério de seleção do líder foi colocado a concurso, traduziu-se num fiasco que vertiginosamente se transferiu de um idealizado primeiro lugar a um terceiro posto, a décimas percentuais do quarto.
André já entendeu que apenas o próprio e por intermédio do próprio foi protagonizada uma favorável contagem. No entanto, ainda restam quatro anos para que possa novamente concorrente à Assembleia da República e abrandar esta impetuosa queda.
A não ser que Ventura concorra à presidência da maioria das câmaras municipais nas próximas autárquicas, o que se prevê improvável mas não impossível, claramente se antevê através desta premissa o inevitável regresso do bipartidarismo.