Muito tem sido escrito e dito nos últimos meses, em especial após a injustificada e bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia, acerca da Soberania Alimentar de Portugal e da Europa. Parece um assunto novo. Parece que ninguém se preocupou com este e outros temas relacionados ao longo das últimas décadas, as mesmas em que fomos perdendo diversas oportunidades de afirmarmos a produção nacional e de fazermos o caminho para a autossuficiência alimentar. A verdade é que, desde sempre, e de forma mais sistemática desde 2019, temos vindo a alertar publicamente para o facto de que dar como adquirido o acesso a alimentação abundante e barata é um erro.

Esse erro tornou-se por demais evidente nos últimos dois anos.

A “bolha” do mundo europeu, garantido de educação, saúde, bem-estar social, e alimentação sofreu um duro revés com dois acontecimentos, que não são novidade, nem sequer inéditos na história da humanidade: uma pandemia e uma guerra na Europa. Na sequência da pandemia da covid-19, a disrupção das cadeias logísticas, o reforço, não previsto, por parte da China dos seus stocks internos de cereais e a seca que afetou a colheita de milho na América do Sul (em especial o Brasil) em 2021, bem como as chuvas tardias na Europa Central que afetaram a colheita de trigo panificável no Verão de 2021, alimentaram uma subida de preços das matérias-primas agrícolas que não estava de todo prevista, pois a recuperação económica do pós-covid mal tinha arrancado. Nessa altura, já preocupados com as cotações internacionais e dificuldades logísticas começamos a alertar, em março de 2021, para as consequências desta escalada do preço das matérias-primas na produção agropecuária e para a sua repercussão ao longo da cadeia de valor até ao consumidor. Decorriam os trabalhos preparatórios para o lançamento de uma plataforma da indústria agroalimentar, necessária, mais ainda não concretizada. O que é pena, pois sabemos que este setor tem especificidades que deveriam ser do conhecimento da opinião pública e também sabemos que só em conjunto teremos o impacto necessário para oferecer um contraditório à narrativa vigente acerca da alimentação.

A IACA, um dos players da indústria agroalimentar mais a montante do consumidor final, tem sido ao longo dos seus mais de 50 anos de História um exemplo positivo do espírito de fileira, que está no seu ADN e do qual se orgulha e que advém da força, visão e capacidade de compromisso dos seus Associados, é certo que estas características não são exclusivas desta organização e é necessário que sejam reconhecidas por todos os agentes da fileira e essa é uma parte que depende do setor. O que não depende do setor é a falta de centralidade atribuída à alimentação.

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Os produtores de Alimentação Animal, através da IACA, já diversas vezes assumiram publicamente o compromisso com a sustentabilidade e com o ambiente, quer a nível nacional quer a nível europeu, sentimo-nos, assim, no direito de dizer que, no que respeita à alimentação, as questões laterais se sobrepuseram às mais básicas e essenciais. O facto de o azeite num restaurante ser de dose individual ou partilhado por várias mesas, por exemplo, tornou-se mais importante do que a independência do país para alimentar os seus cidadãos. Não fomos capazes de perceber que a necessidade de alimentação a um preço acessível não se coaduna com um mandato para que, desrespeitando a livre escolha do consumidor e a garantia de haver alimentos para todos, se decida, a nível europeu, que queremos 25% da área agrícola como agricultura biológica e  que (na tão típica hipocrisia europeia) não precisamos de biotecnologia e das novas técnicas genómicas para garantir que produzimos alimentos suficientes, a um preço acessível,  e sem esgotar os recursos do Planeta.

A questão que se impõe é: é agora o momento para que verdadeiramente se olhe para a alimentação como uma questão estratégica? É agora que vamos dar atenção à produção agropecuária nacional e, dentro dela à alimentação animal, uma das atividades mais importantes desta indústria porque está na base da produção de carne, leite, ovos e peixe. Se uma nação quer ter futuro, tem de ser capaz de caminhar para a soberania alimentar para aí, sim, defender de forma intransigente os valores do bem-estar social e os valores europeus e do mundo ocidental que todos partilhamos.

Das várias atividades em que tenho oportunidade de estar envolvido devo dizer que nenhuma delas me dá maior conhecimento do estado do Mundo, do que a produção agrícola e a sua logística subjacente. Muito antes de outros setores sentirem as consequências de problemas na produção já este setor as sente e por isso consegue antever os efeitos que poderão provocar ao longo da cadeia de valor até ao consumidor. Assim aconteceu em março de 2021 quando anunciámos que o brutal aumento do preço das matérias-primas e as dificuldades de garantir o abastecimento poderiam ter o respetivo impacto no bem-estar e poder de compra dos portugueses.

Temos a certeza de que o setor da alimentação animal, em particular, e o agroalimentar, em geral, serão capazes de reagir e ultrapassar mais este grande desafio, mas os responsáveis políticos têm de nos ouvir, deixar-nos trabalhar e não esquecer que o futuro da humanidade, em termos de alimentação, depende da ciência e do trabalho dos agricultores e não de ideologias ou ideias pré-concebidas.

É, pois, de uma forma otimista, positiva e com vontade de trabalhar que este setor encara os tempos em que vivemos. Sabemos que existem desafios e temos, por nós, vontade de os vencer e, pelo mundo, necessidade de o fazer.