Começo o artigo com uma declaração de interesse. Trabalhei seis anos com Durão Barroso nas suas funções de Presidente da Comissão Europeia. Saí por minha vontade, mas fiquei com estima pessoal e admiração profissional e política por Durão Barroso. Considero que o passado, desde que assumido, não deve impedir-me de escrever sobre Barroso. Sobretudo quando têm surgido algumas tentativas de reescrever a história dos últimos anos.

Em primeiro lugar, os mesmos que passaram os últimos cinco anos a atacar Barroso por fazer o que a Alemanha queria, aparecem agora como grandes defensores de Juncker. A crise aumentou naturalmente a influência de Berlim na política europeia. Numa crise financeira, quem tem dinheiro tem poder. Foi neste contexto, e não num mundo ideal, que Barroso foi Presidente da Comissão Europeia. O poder germânico condicionou-o, como condiciona Hollande e Cameron. No entanto, não foram poucas as vezes que Barroso contrariou e resistiu à vontade do governo alemão. Quando Berlim tinha dúvidas sobre a manutenção da Grécia no Euro, Barroso nunca vacilou e apoiou sempre os gregos. Quando a Alemanha nem sequer queria ouvir falar da União Bancária, Barroso insistiu e fez propostas. Mais importante de tudo, a presença de um político em Bruxelas que sempre entendeu as dificuldades de Portugal, da Espanha, da Itália e da Irlanda foi muito importante para esses países. Fosse o Presidente da Comissão Europeia holandês, finlandês ou alemão e a história da crise teria sido muito diferente e mais dura para o sul.

Mas ainda mais surpreendente será alguém achar que Juncker gozará de maior independência em relação à Alemanha. Pode até fazer algumas críticas , mas no essencial nunca se oporá a Berlim. Juncker é duplamente um Presidente germânico. Em primeiro lugar, deve a sua escolha a Merkel e ao governo alemão. Barroso foi escolhido em 2004, apesar da oposição inicial de Berlim, com o apoio de muitos, grandes, médios e pequenos países. Em segundo lugar, o novo método de escolha do Presidente da Comissão Europeia foi uma “invenção” dos partidos políticos alemães. E são eles que mandam no Parlamento Europeu. A estratégia política mais brilhante da Alemanha, desde o Tratado de Maastricht, foi a utilização do argumento do reforço da ‘democracia europeia’ para aumentar o seu poder na União Europeia. Mais democracia na ‘Europa’ significa mais poder alemão. Houve muito mérito da Alemanha, que se limita a defender os seus interesses, e uma ausência de estratégia por parte da França e do Reino Unido, mas esta é a nova realidade. Juncker passará cinco anos sob a influência de Berlim e o poder do Parlamento Europeu.

Desde que Juncker foi escolhido Presidente da Comissão Europeia, alguns cronistas e correspondentes em Bruxelas têm ainda escrito artigos pouco exactos sobre o passado de Juncker e de Barroso, com o duplo objectivo de promover o primeiro e simultaneamente criticar o segundo. Também aqui, convém repor a verdade. Houve quem dissesse que em 2004, Juncker não aceitou ser Presidente da Comissão Europeia e a recusa abriu o caminho a Barroso. Ou seja, o português teria sido a segunda escolha. Não é verdade. Juncker quis ser Presidente da Comissão Europeia em 2004, mas percebeu que, tal como Verhofstadt, na altura primeiro-ministro da Bélgica, não tinha o apoio da maioria dos governos europeus. Houve uma diferença determinante entre 2004 e 2014. Blair teve a capacidade para construir uma maioria contra Juncker e contra Verhofstadt, o que Cameron agora não conseguiu. Na altura até o PPE preferiu Barroso a Juncker. A verdade é que Barroso conseguiu por duas vezes recolher o apoio unânime de todos os países. O que como se viu agora não é fácil. E por isso, apesar das enormes pressões para mudar os rostos do poder em Bruxelas, Barroso ainda terá uma pequena hipótese de ser Presidente do Conselho Europeu.

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