Há um par de semanas, o Guardian publicou uma reportagem sobre a cultura das caixas de comentários, com algumas reflexões sobre o que os jornais podem fazer a esse respeito. Há sites que estão a fechar as caixas de comentários porque não têm paciência para a “trollice” e o ódio que abundam nelas e que impedem qualquer discussão sensata. Há outros sites, como o do Guardian, que estão a impedir comentários apenas nalguns casos, especialmente quando o assunto do artigo é mais incendiário.

O único facto na reportagem do Guardian que me surpreendeu foi este: apenas 2% dos comentários que o Guardian recebe são suficientemente abusivos e insultuosos para serem bloqueados. Os comentários que o Guardian classifica como insultuosos e abusivos podem conter racismo, ameaças ataques ad hominem ao autor, excessos de “whataboutery” (já explico), ou “trollice” óbvia. Uma vez que as caixas de comentários no Guardian exibem normalmente uma dose apreciável de caos e de ódio, isso dá-nos ideia de quão mau eram os 2% bloqueados.

Não há outras grandes surpresas na reportagem: confirma-se que os cronistas e jornalistas que são mulheres ou LGBT recebem mais insultos do que os homens. Pessoas de cor recebem mais insultos do que pessoas brancas. Mulheres de cor recebem mais insultos do que homens de cor.

Além dos altos níveis de “whataboutery”, o hábito mais irritante de todos (se escrevo sobre cães, alguém comentará quase de certeza “what about the cats? É uma vergonha que não tenha mencionado nenhum gato!!”), o que é notável nas caixas de comentários portuguesas é o seu igualitarismo. Na internet britânica e americana, é fácil perceber que o sexismo, o racismo e a homofobia inspiram a maior parte dos insultos nas caixas de comentários.

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Em Portugal, a boa notícia é que, pelo que tenho visto, a internet parece mais igualitária nos seus insultos e despropósitos. Se o autor é mulher, recebe comentários insultuosos; se é homem, recebe comentários insultuosos. Se é de qualquer cor, nacionalidade, sexualidade, ideologia religiosa ou política, recebe comentários insultuosos. Ou seja, absolutamente toda a gente é insultada por absolutamente todas as razões: homens e mulheres, heterosexuais e homosexuais, nacionais e estrangeiros, novos e velhos, direitistas e esquerdistas, todos. Portugal, uma das sociedades menos igualitárias do Ocidente, chegou à igualdade pelo menos num aspecto: o do insulto na caixa de comentários. Em vez de redistribuição de riqueza, os portugueses parecem dar muito mais importância à redistribuição do insulto, como numa espécie de Comunismo da Má Educação.

O mundo onde vivem os comentadores dá ideia de estar submerso por uma maré alta de amargura, raiva e ódio para redistribuir. Isso devia preocupar-nos, não se desse o caso de a maior parte de gente sensata não entrar numa caixa de comentários quando a gente que lá está anda apenas à procura de uma briga. É como, num sábado à noite, passar na rua por um bêbedo aos gritos. Não paramos para conversar com ele. Só os outros bêbedos aos gritos vão falar com ele. É o que acontece nas ruas, e é o que acontece nas caixas de comentários.

Um psicólogo disse-me uma vez que escrever comentários raivosos e abusivos é capaz de ser uma boa válvula de escape para muita gente. Permite-lhes exprimir a raiva num ambiente seguro. Talvez, nesse caso, as caixas de comentários até sejam úteis para a saúde mental do país. E tal como não prestamos atenção aos bêbedos que gritam na rua, não devemos prestar atenção aos comentadores que gritam nas caixas de comentários.

Estejam portanto à vontade para gritar.

(traduzido do original inglês pela autora)

Drunk people shouting in comment boxes

A couple of weeks ago, the Guardian produced a report about comment culture, in particular the comment culture within the pages of the Guardian, and what they intend to do about it. Some sites are turning off their comments because they can’t be doing with the trolling and hatred that comment boxes inspire and which distract from any sensible discussion that might take place. Some, such as the Guardian, are turning off comment boxes selectively, especially below the articles about particularly incendiary topics.

The only surprising news in the report was that only 2% of comments are what they classify as abusive and are blocked. What they classify as abusive might be racist or threatening or ad hominem attacks on the author, excessively distracting “whataboutery”, and/or obvious trolling. If you read a Guardian comment thread, especially once it descends into its usual hateful chaos, you’ll wonder how bad the 2% that were blocked were.

None of the rest of the report was particularly surprising. It showed that women and LGBT columnists and journalists get a greater amount of abuse than men. People of colour get more abuse than white people. Women of colour get more abuse than men of colour.

Apart from the high levels of “Whataboutery”, which is a universally irritating habit (write about a situation about dogs, and someone will write “what about the cats?!, it’s a disgrace that you didn’t mention the cats!”), what is remarkable about the Portuguese comment box is how equal opportunities an arena it is. I watch the British, American and Portuguese internet from my turret (I don’t read any other languages well enough to be able to understand what is going on) and it is easy to see the distinctively sexist, racist or LGBTphobic kinds of abuse that writers and fellow commenters receive in the English language net.

Here in Portugal, you will be pleased to know that, from what I see, it’s all very much more egalitarian. If you are a woman, you get comment abuse. If you are a man, you get comment abuse. If you are any colour, nationality, sexuality, political or religious persuasion, you get abuse. Or rather, absolutely everyone gets it in the neck, for everything… columnists, journalists, commenters, everyone. Could it be that Portugal has achieved perfect equality at least somewhere in its society? Instead of redistribution of wealth, has Portugal managed to redistribute comment abuse to all, like a kind of Communism of Snarkiness?

There does, however, seem to exist an unnaturally high tide of bitterness, rage and hatred bubbling out there to redistribute, which would be worrying if we didn’t remember that most sensible people can’t be bothered to get into a comment box with someone who is just out for a fight. It’s like walking past the shouty drunk guy on a Saturday night. Why would you want to get into a conversation with him? It’s only another shouty drunk guy who is going to get into it with him.

A psychologist told me the other day that writing angry, abusive comments may be a good escape valve for people, allowing them to express their rage in a safe environment. Maybe, then, comment boxes are good for the mental health of the nation. And just as we don’t pay attention to shouty drunks on the street, we don’t pay attention to shouty angry commenters.

Off you go, then.