Benedita Santiago Neves deixou-nos nesta quarta-feira. Tive o privilégio de trabalhar com ela nos últimos 5 anos no Gabinete de Comunicação do Opus Dei em Portugal e em alguns projetos de Comunicação da Igreja.

Dizem os entendidos que “o que não se comunica não existe”. Mas pode-se comunicar de muitas maneiras. Pode-se “dar existência” aos acontecimentos com tonalidades diferentes. A Benedita era especialmente comunicativa, descomplicada, alegre, com ideias “fora da caixa”. Tenho muitas recordações dela. Mas vou-me limitar a três.

A Benedita era uma grande benfiquista. Sofria cada jogo, especialmente os da Champions e dava gosto falar com ela de futebol. Um dia liguei-lhe para lhe comentar a vitória do Benfica contra o Ajax. Ela não me atendeu. Estranho. Mensagem dois minutos depois: ”Não atendi porque estava a fazer um doce para o meu sobrinho. Já ligo de volta”. Ela gostava de futebol. E do Benfica. Mas a sua bússola apontava em primeiro lugar para os outros, para os mais necessitados e brilhavam-lhe os olhos quando falava dos sobrinhos e dos sobrinhos netos. Há poucas semanas pedi-lhe ajuda na organização de um projeto pessoal que acontecerá em 2023. Resposta: “Claro que sim. Peça ajuda sem cerimónias. É um privilégio poder ajudar”, escreveu-me numas das últimas mensagens. Ela encarnava essas palavras que o Papa Francisco tão sabiamente nos deixou: “Quem não vive para servir não serve para viver”. A Benedita gostava muito de futebol e do Benfica. Mas os outros estavam primeiro.

Dava gosto trabalhar com a Benedita. Diz-se, ironicamente, que nas organizações há dois tipos de pessoas: os que criam problemas; e os que os resolvem. A Benedita era uma pessoa decidida e organizada. Recordo a sua agenda de papel – já um pouco em desuso – onde apontava tudo com cuidado. Trabalhámos juntos na organização dos seminários de formação em Roma “O Vaticano por dentro e in loco” (2022), no Interfaith Meeting em Roma (2019), na VIII edição do Prémio Internacional Comunicar África e no Projecto Social 75 Anos, 75 Famílias. Por trás destas iniciativas estavam reuniões semanais no meio de agendas complicadas. Nunca ouvi uma queixa. Dizia o que pensava. E sujeitava as suas opiniões ao parecer dos outros. Tinha um especial gosto por projetos assistenciais “O que acham de propor a uma escola que acolha um grupo de refugiados da Ucrânia até final do ano?”. Foi uma das suas últimas propostas. O projeto de acolhimento de dezenas de crianças foi para a frente. Com a Benedita dava gosto trabalhar.

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A Benedita era uma pessoa de grande fé. Testemunhei a sua vida cristã normal no meio do mundo, procurando viver perto de Deus, seguindo os passos de S. Josemaria. Atraía outras pessoas com o seu exemplo e alegria. Pedia orações pela família, vi-a ir à Missa em dias difíceis, lutava por ter um diálogo com Deus… O que pedia? De certeza que se lembrava de nós. Como boa advogada, sabia interceder pelos familiares e amigos: sabia que o mais importante na vida é aquilo que Deus faz por cada um dos seus filhos. Respirava um grande amor ao Papa e à Igreja e estava entusiasmada com a Jornada Mundial da Juventude em 2023. Tenho a certeza que soube oferecer a sua dor destes últimos momentos pela Igreja.

Obrigado, Benedita. Ela deu-nos uma grande lição. A mais importante e definitiva. Humildemente, sem chamar a atenção, apagando-se lentamente num sofrimento escondido que só Deus apreciou. A morte chega cedo. Cedo demais, sempre. Elogiar a Benedita, recordar as suas qualidades, expressar-lhe uma vez mais o nosso profundo afeto e admiração, parece algo redundante. Não, não nos vamos despedir hoje, nem nunca, da Benedita Santiago Neves porque o seu exemplo perdura e a sua vida eterna começa agora. Do Céu, como boa advogada, pode continuar a apontar na sua agenda, as nossas preocupações, alegrias e festas. Pode continuar a fazer muito mais por nós, por este mundo que ela amou apaixonadamente como benfiquista e incansável trabalhadora. O mundo hoje fica mais pobre, mas o Céu fica mais rico porque lá habita quem soube amar. E a Benedita amou muito e de verdade.

Breve Biografia

Maria Benedita Santiago Neves — Advogada e colaboradora do Gabinete de Informação do Opus Dei em Portugal, colaborou na organização de ações de formação para jornalistas e comunicadores da Igreja durante 23 anos.

A Benedita nasceu em Lisboa no dia 8 de dezembro de 1963.

Frequentou os liceus P. António Vieira e D. Dinis, onde era considerada uma “contestatária”, como era próprio dos tempos pós-25 de abril.

Estudou Direito na Universidade de Lisboa. Tinha um escritório com outros colegas na Av. António Augusto de Aguiar, onde desenvolveu um trabalho de uma advocacia tradicional, como advogada generalista em Direito Privado.

Em 1995 solicitou a admissão no Opus Dei como supranumerária, atraída pela mensagem da santificação das pessoas através do trabalho normal e corrente, e pelo alcance universal desta proposta.

A partir do ano 2000, integrou o Gabinete de Comunicação do Opus Dei, que presta informações sobre esta instituição da Igreja a jornalistas e a qualquer pessoa interessada.

Organizou seminários de formação para jornalistas e comunicadores da Igreja em Roma e em Madrid, entre os quais se destacam “O Vaticano por dentro e in loco” (2013 e 2022) e o “Seminário de Comunicação” em Madrid (2015), entre outros. Foi uma das responsáveis pelo encontro Interfaith Meeting em Roma (2019), que envolveu a participação de três oradores do Programa da Antena 1: “E Deus criou o mundo”. Colaborou na edição do livro ”Como defender a fé sem levantar a Voz”, editado em 2021 pela Editora Paulinas.

Fez também parte da equipa de Comunicação que organizou a viagem do Papa Bento XVI a Portugal em 2010.

Foi Presidente da Direção da APCD, uma Associação de utilidade pública constituída em 1972, e acreditada pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Neste âmbito, coordenou a edição de várias publicações informativas sobre algumas Igrejas em Portugal: Sé de Lisboa, Sé de Coimbra, Mosteiros dos Jerónimos, Basílica da Estrela, Catedral de Leiria, Igreja S. João Batista (Lumiar), Igreja N.ª Sr.ª de Fátima (Lisboa), entre outros.

Foi formadora de Protocolo profissional e institucional no IEAC-GO e organizadora de diferentes congressos, como por exemplo o Congresso Internacional “A Morte: Leituras da Humana Condição”, com o Prof. José Eduardo Franco e a Dra. Maria José Figueiredo, e o II Congresso Internacional “Limite(s): Experiências e Desafios da Humana Condição”.

Dedicou-se a vários projetos de cariz social, nomeadamente em África, através da ACDA e da ONG Harambee África Internacional. Foi uma das promotoras da VIII edição do Prémio Internacional Comunicar África. Foi também a coordenadora do Projecto 75 Anos, 75 Famílias, nascido por ocasião dos 75 anos do Opus Dei em Portugal, com o objetivo de apoiar mensalmente 150 famílias em Lisboa (bairros de Chelas, Serafina e Arroios), no Porto e em Braga.

Faleceu no dia 7 de setembro de 2022, de uma doença grave diagnosticada três semanas antes.