Por estes dias, muitos vêm realçando justamente – e melhor do que eu seria capaz – as múltiplas dimensões do precioso legado que nos é deixado pelo Papa Bento XVI. Opto por isso por me focar numa vertente específica da sua acção, nomeadamente a importância atribuída pelo Papa Bento XVI à educação católica e, em particular, às universidades católicas.

Tal como o meu caro amigo Pedro Sette Câmara, também eu comecei por ver, na minha juventude, o então Cardeal Ratzinger como um perigoso “modernista”. A profunda erudição de Ratzinger e a sua extraordinária capacidade para conjugar a tradição católica com a necessidade de encontrar respostas para os desafios do mundo contemporâneo foram muito importantes para me permitir ultrapassar (ou pelo menos mitigar de forma substancial) o impulso infantil de revolta generalizada contra o “mundo moderno”.

Como bem realça Jacob Philips no muito recomendável ensaio “The Benedict XVI generation”, a preocupação do Papa Bento XVI com a reevangelização do Ocidente secularizado produziu, apesar do seu relativamente curto pontificado, uma verdadeira geração Bento XVI. Uma tarefa que passou por reconciliar fé, razão e cultura no sentido em que o uso apropriado da razão crítica e da investigação científica deve necessariamente conduzir a uma harmonização com os ensinamentos da Igreja. Harmonização que funciona de forma dinâmica e mútua e se constitui num desafio permanente para evitar e ultrapassar tentações de ruptura entre fé e razão.

Um desígnio que se relaciona naturalmente muito de perto (ainda que não exclusivamente) com a missão das universidades católicas. Como bem destacou a Reitora da Universidade Católica Portuguesa Isabel Capeloa Gil na Declaração sobre a morte de Sua Santidade o Papa Emérito Bento XVI:

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“Teólogo insigne e guardião da fé, o Papa Bento XVI esteve particularmente atento à missão das universidades católicas, sempre empenhado em promover o diálogo entre fé e razão, que insistia ter em Cristo a sua verdadeira encarnação. Defendendo o papel das universidades católicas para aprofundar a missão da Igreja, o Papa Bento XVI foi uma inspiração na busca rigorosa do conhecimento enquanto contribuição para o bem comum, exortando todos os membros da comunidade académica Católica a ensinar a fé e torná-la credível à razão humana, despertando nos estudantes o sentido de procura da verdade e da transcendência.”

Neste domínio, o Papa Bento XVI foi uma inspiração particularmente forte e influente no contexto do Reino Unido. Em 2010, Bento XVI tornou-se no segundo Papa na história a visitar o Reino Unido (antes, o Papa João Paulo II havia visitado o Reino Unido em 1982) e essa visita foi decisiva para o desenvolvimento e consolidação da St. Mary’s University, em Londres, cujo campus foi um ponto focal da visita papal, como destacou o actual Reitor Anthony McClaran. A história de St. Mary’s remonta a 1850 mas foi apenas em 2014, quatro anos depois da visita do Papa Bento XVI e em boa parte graças à dinâmica desencadeada por essa visita, que a universidade adquiriu estatuto pleno. De tal forma que em 2015, e assinalando o quinto aniversário da visita do Papa Bento XVI, a universidade criou o Benedict XVI Centre for the Study of Religion and Society, do qual tenho o privilégio de ter sido um dos membros fundadores.

Não encontro melhor forma de concluir do que recordando as palavras do próprio Papa Bento XVI no seu discurso para alunos de escolas católicas realizado no dia 17 de Setembro de 2010 precisamente no campus da St Mary’s University em Twickenham:

“In your Catholic schools, there is always a bigger picture over and above the individual subjects you study, the different skills you learn. All the work you do is placed in the context of growing in friendship with God, and all that flows from that friendship. So you learn not just to be good students, but good citizens, good people. As you move higher up the school, you have to make choices regarding the subjects you study, you begin to specialize with a view to what you are going to do later on in life. That is right and proper. But always remember that every subject you study is part of a bigger picture. Never allow yourselves to become narrow. The world needs good scientists, but a scientific outlook becomes dangerously narrow if it ignores the religious or ethical dimension of life, just as religion becomes narrow if it rejects the legitimate contribution of science to our understanding of the world. We need good historians and philosophers and economists, but if the account they give of human life within their particular field is too narrowly focused, they can lead us seriously astray.”

Creio que a melhor homenagem que podemos prestar ao Papa Bento XVI é fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que as suas palavras e ensinamentos nos inspirem a prosseguir com esta importante missão.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e membro do Benedict XVI Centre for the Study of Religion and Society da St. Mary’s University, London.