Há quatro meses, no dia 20 de Fevereiro, o governo grego liderado pelo Syriza tinha chegado a um acordo com os parceiros do Eurogrupo. O segundo programa de resgate do país acabava daí a alguns dias e era preciso desenhar o que se passaria depois desse vazio.

O que então se fez foi comprar tempo. Estendeu-se o programa por mais quatro meses, até ao final de Junho, e iniciou-se uma negociação que deveria estar agora terminada. Mas não está. A grande mudança que se verificou foi deixar de chamar troika à troika para lhe passar a chamar “as instituições”. Seria cómico se não fosse trágico.

Entretanto, a economia grega está hoje pior do que no início do ano.

As perspectivas de crescimento são piores do que então, porque não há clima mais demolidor do que ter um país permanentemente na corda bamba do “sai do euro, fica no euro”, “entra ou não entra em default”, “vai conseguir mais financiamento, não vai conseguir financiar-se”.

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O sector financeiro continua com uma forte hemorragia de depósitos. Dinheiro que todos os dias se evapora das contas bancárias, trazido dali para fora com receio do colapso do sector bancário ou de uma desvalorização cambial forte em caso de saída do euro.

Foram quatro meses perdidos. E se nada se avançou, hoje o clima é muito pior do que há quatro meses, quando muito boa gente ainda olhava para o Syriza e ouvia dali os primeiros acordes dos “amanhãs que cantam”.

É evidente que Atenas e o Eurogrupo estão hoje muito mais afastados do que em Fevereiro. Estranha negociação esta, que afasta em vez de aproximar. Provavelmente porque esta não é uma negociação de uns com os outros. É uma negociação de uns contra os outros.

Que acordo é possível entre duas partes que não fazem mais do que acusarem-se mutuamente de mentir, que trocam adjectivos pouco agradáveis, que gravam reuniões à porta fechada para depois divulgarem parte do seu conteúdo, que estão mais apostadas em esticar a corda esperando que ela parta na outra ponta?

Atenas precisa e quer mais dinheiro sem aceitar as exigências dos credores. Estes não estão disponíveis a emprestar mais sem que esse mínimo de garantias seja claramente aceite.

O sintoma mais evidente do beco sem saída em que entrámos está na prioridade de ambas as partes: estão mais preocupados em culpar o outro lado da ruptura das negociações do que em concluí-las com êxito.

Ninguém quer ficar com o ónus da responsabilidade de uma eventual saída da Grécia do euro. Os parceiros europeus porque têm a noção que isso coloca o projecto numa perigosa viagem pelo desconhecido, para além dos cálculos geo-estratégicos sobre os equilíbrios regionais com a Rússia ali ao lado. E perdida a virgindade da moeda única com a saída de um país, mais dificilmente se travam desastres semelhantes.

O governo grego porque sabe que uma saída do euro é impopular para uma larga maioria da população e levará a um embate económico forte: desvalorização cambial acentuada com perda de poder de compra (mais ainda, sim), subida de preços, saída de capitais e dificuldades acrescidas para o sector bancário.

Mas provavelmente não há alternativa a esta saída, devidamente acompanhada de um incumprimento dos empréstimos que a troika concedeu com o aval dos parceiros da zona euro. Aquilo que há meia dúzia de meses era um cenário considerado dantesco que os responsáveis europeus não se atreviam sequer a pronunciar é hoje amplamente verbalizado e admitido com muita preocupação mas poucos complexos.

E provavelmente essa é a melhor solução, por ser a única duradoura e geradora de uma estabilidade a prazo. Trata-se de abrir à Grécia a porta de saída de um clube onde, isso hoje é claro, o país nunca devia ter entrado da forma como entrou, com contas aldrabadas e uma estrutura económica e social incapaz de responder minimamente às exigências do regime do euro.

A Grécia tornou-se um grande problema, a precisar de resgate externo, há cinco anos. De então para cá já houve dois programas com empréstimos que somam 240 mil milhões de euros. Depois houve um perdão de dívida no montante de 100 mil milhões de euros, que chegou aos 65% dos empréstimos feitos por compradores de obrigações do tesouro grego – sobretudo bancos, e sobretudo alemães e franceses, os tais de quem se diz que foram a principal razão do resgate grego.

Todo este dinheiro, que soma toda a produção portuguesa de dois anos, foi insuficiente, como se vê. O resgate correu mal? Claro, basta olhar para o ponto em que estamos. É claro que o problema não foi resolvido nem ficou perto disso. Mas algum resgate correria bem na Grécia? Quanto mais dinheiro é preciso enviar para Atenas para que as coisas comecem a correr bem? Ah, claro. É preciso enviar mais dinheiro e acabar, ao mesmo tempo, com a austeridade. Mas isso é atirar maços de notas de 500 euros para um poço sem fundo. Foi isso que a Grécia teve durante toda a década passada – muito crédito e muito barato e ausência de austeridade – e chegada a 2010 não teve alternativa senão pedir ajuda à troika.

A Grécia precisa, de facto, de ser salva. Mas antes de ser salva dos credores precisa de ser salva dela própria, da forma como as suas instituições funcionam e dos grandes e pequenos grupos de interesse que a levaram à bancarrota. E talvez o consiga fazer melhor fora do euro do que dentro. Há momentos em que a melhor forma de ser solidário é permitir que as famílias resolvam os seus problemas dentro de casa, sem interferências, palpites e olhares estranhos. A Grécia pode estar a precisar desse recato. Devemos dar-lho e preparar-nos para o embate.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com