Ninguém estava à espera que duas semanas, umas quantas milhas acumuladas no cartão de passageiro frequente e uma dúzia de horas de conversas em algumas capitais fossem suficientes para que o novo Governo grego fizesse a Europa inverter a marcha e sacar de novo do livro de cheques.

Cumprido o ritual diplomático, tudo na mesma. Tudo, aliás, demasiado expectável. Da bonomia de Jean-Claude Juncker, que pegou na mão de Alexis Tsipras para o levar para a sala de reunião, até à instransigência alemã, que apenas concordou em discordar. De resto, muita compreensão, toda a vontade para negociar e chegar a um entendimento que sirva todas as partes, mas já com algumas linhas vermelhas bem traçadas. Primeiro, ninguém está disponível para um segundo perdão de dívida grega, exigência que era a segunda linha do programa que o Syriza levou a eleições. Segundo, a Grécia não pode rasgar unilateralmente o que acordou com os parceiros europeus. Terceiro, e provavelmente o que une toda a gente, ninguém quer chegar a um cenário de saída da Grécia do euro.

Honras da casa feitas, começa agora a funcionar a máquina europeia com tudo o que tem de bom e de mau.

O relógio não para e o tempo escasseia. Atenas tem agora a noção dessa urgência, bem presente quando Yanis Varoufakis saiu de Berlim a pedir um programa transitório até Maio. No fundo, a querer comprar tempo para elaborar um verdadeiro plano para a dívida que possa ser apresentado, negociado e, se tudo correr bem, acordado.

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De tudo o que aconteceu nestes primeiros dias o mais importante não é o primeiro confronto com a realidade experimentado pelo Governo grego e já vertido, em parte, para as linhas gerais do plano apresentado pelo ministro das Finanças na visita à City londrina. Era previsível e este é apenas o início de um longo caminho que vai transformar o programa radical do Syriza em qualquer coisa que possa ser negociada.

A medida do BCE em relação aos títulos da dívida grega também não surpreende nem configura uma alteração importante de cenário. A excepção que permitia que as obrigações do Tesouro emitidas por Atenas fossem utilizados pelos bancos comerciais como garantia para financiamentos junto do banco central só acontecia porque o país estava debaixo do “chapéu” do programa de assistência. O programa termina oficialmente no dia 28 de Fevereiro e não se prevê, neste momento, que possa ser estendido ou substituído por outro – Atenas recusa, aliás, negociar com a troika. Por isso, é natural que a dívida grega passe a ter o mesmo tratamento que todos os outros títulos com a classificação de “lixo” nas tabelas de rating. Mas os bancos gregos continuam a poder financiar-se junto do BCE apresentando outros activos como garantia e, além disso, têm acesso a 60 mil milhões da linha de cedência de liquidez de emergência.

O dado mais relevante destas duas primeiras semanas, capaz de alterar estratégias em Atenas e nas restantes capitais, é a falta de contágio da situação grega a outros países da zona euro, sobretudo aos mais frágeis: Portugal, Espanha, Itália ou Irlanda. A montanha russa em que os mercados gregos entraram nos últimos dias não fez soar alarmes noutros países, sobretudo nos indicadores mais sensíveis: as taxas de juro da dívida pública e levantamento de depósitos bancários.

Mais do que a oposição política de vários países às propostas de Atenas, este é o mais importante isolamento da Grécia. Ao contrário do que aconteceu em 2010, quando a Grécia foi o rastilho que incendiou uma parte importante da zona euro, o problema económico e financeiro do país está agora, para já, circunscrito a ele próprio.

Sem o poder de contaminação de há cinco anos, a questão grega fica reduzida a uma questão grega. Importante, sem dúvida, por razões económicas, políticas e, sobretudo, sociais. Mas sem se transformar num problema que põe em causa a moeda única, a sua sobrevivência ou a viabilidade do projecto. Lembram-se dos cenários que se fizeram no início da década sobre o fim do euro, a criação de uma nova moeda paralela para os países em crise ou mesmo sobre a saída da Alemanha? Parecem enterrados e não se ouvem analistas ou economistas a recuperá-los agora a propósito desta nova crise.

Esta importante descida de escala do problema grego altera radicalmente as posições e forças negociais e não estava certamente nas contas do Governo grego.

Há menos de dois meses, o agora ministro das Finanças dizia que “a prioridade da Grécia deve ser a renegociação do seu acordo com a UE, aceitando entretanto um tumulto no mercado monetário como o preço que temos de pagar para sairmos das fases sucessivas de ‘prolongar e fingir’ para a fase de uma genuína estabilização e crescimento. Se isto também significar que durante essas negociações os juros da dívida pública de Portugal, Espanha e Itália sobem, tanto melhor. Isso pode levar a que Lisboa, Madrid e Roma sejam forçados a participar criativamente nesta negociação, formando uma frente Periférica, de forma a desenhar uma nova arquitectura da Zona Euro que trave a asfixia de nações orgulhosas em nome de regras inanes, inexequíveis e misantrópicas” (tradução minha, original no blogue do próprio Varoufakis).

Não deixa de ser irónico que a esquerda radical olhe para os mercados e veja neles o seu principal cúmplice para angariar aliados para a sua causa, a alavanca fundamental que pode multiplicar a sua força. A ditadura dos mercados quando nasce também é, afinal, para todos.

A vontade de fazer reféns era evidente. A intenção de lançar fogo à zona euro é demasiado óbvia nestas declarações para deixar dúvidas.

Ora, este incêndio ateado a partir de Atenas não está a acontecer. Pelo menos para já e apesar da entrada “de leão” feita pelo Governo grego, a desafiar as medidas acordadas com os credores – como o aumento do salário mínimo, readmissão de alguns funcionários públicos e recuo em privatizações – e a declarar que não negociaria mais com a troika. Uma corda esticada que se sentiu apenas no pescoço dos bancos gregos, com um forte levantamento de depósitos, e do Tesouro do país, com a subida das taxas de juro da dívida pública.

Sem impacto assinalável nos outros países, Atenas não se constitui como a arma de destruição maciça da zona euro que, pelos vistos, ambicionou e ambiciona ser. Se não conseguir lançar o caos generalizado nos mercados o problema grego é apenas o problema grego. Se o futuro da moeda única não depender do destino que a Grécia escolher para si, o problema é sobretudo do país.

É esta a realidade com que, passados estes dias iniciais, o Governo do Syriza está confrontado. Tentou fazer do seu problema uma questão vital da Europa. Até ver, falhou. A Grécia não é “too big to fail” e não está a provocar um impacto sistémico que leve os restantes países a preferirem pagar para não correr riscos maiores e generalizados.

A manter-se este isolamento dos mercados não restará ao governo grego nada mais senão sentar-se à mesa com os parceiros e credores e tentar chegar a um entendimento. É esse novo ciclo que começa na quarta-feira à mesa do Eurogrupo, perto da hora de jantar.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com