Escândalo após escândalo, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson foi passando de figura emblemática pelo lema “Get Brexit Done” (“Concluir o Brexit”, em tradução livre) a persona non grata na esfera pública e política britânica. Foi divulgada mais uma festa, pelo canal de televisão britânico ITV, ocorrida nos jardins do número 10 de Downing Street, num momento em que o país atravessava um confinamento com medidas sanitárias restritivas.
Mais um episódio que se soma aos demais já identificados pelos meios de comunicação britânicos, ao que já se intitula, em inglês, Partygate: a já não fictícia festa de Natal ocorrida em 2020, a festa nas vésperas do funeral do príncipe Filipe e todas as demais, que já perfazem 14; além das obras no apartamento do primeiro-ministro, que ultrapassaram os gastos (limites) definidos legalmente; a votação das novas medidas restritivas de combate à pandemia, em que vários deputados conservadores votaram desfavoravelmente, apenas aprovadas com os votos da oposição; ou mesmo a derrota na eleição adicional ocorrida recentemente, no círculo de North Shropshire — bastião conservador —, ocasião em que os votos no partido conservador caíram cerca de 31 pontos.
Todas essas polémicas não só têm fragilizado a credibilidade do atual primeiro-ministro (sublinho atual, já que a sua posição está em risco, e não é de agora) e do seu gabinete, mas, igualmente, a imagem do partido conservador (Tory), que se encontra atrelado impreterivelmente a Boris Johnson. Não é por acaso que as reações no partido têm seguido a opinião pública e da oposição no Parlamento britânico. Vários deputados conservadores pedem a demissão de Johnson — como é exemplo Douglas Ross, líder conservador escocês, e Caroline Nokes, antiga ministra conservadora —, uma vez que o primeiro-ministro é o responsável pelas suas ações individuais, mas também dos membros do governo, devendo agir em conformidade.
A par das críticas dentro do seio do próprio partido conservador, Keir Starmer, líder do partido trabalhista britânico (Labour), referiu que a solução para as atitudes de Johnson só culmina com a apresentação de demissão. Outros líderes e figuras da oposição seguem esse apelo, a exemplo da primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que veio reforçar o pedido que vários vultos políticos têm realizado: Boris Johnson, acabaram as desculpas, renuncie. Já o jornal escocês Sunday National jogou com o lema conservador usado nas eleições gerais de 2019, “Get Brexit Done”, transformando-o em “Get Exit Done” (“Realizar a Saída”), o qual expressa o desejo de uma maioria significativa de escoceses pela saída imediata do primeiro-ministro de Downing Street, segundo sondagem realizada pelo próprio jornal.
Num pedido de desculpas realizado no Parlamento britânico, Boris Johnson assumiu a responsabilidade por estar envolvido nas últimas polémicas; porém, como frequentemente ocorre, isto não será o suficiente nem para grande parte da sociedade britânica nem da oposição, tão-pouco para alguns membros do Tory. Mais do que isso, esse gesto não é suficiente para mitigar atos descabidos de uma pessoa que sempre teve dificuldade de reconhecer os próprios erros publicamente e dá a sensação de que Johnson ainda é um aspirante a político, não sabendo como exercer um papel com brio, ética e responsabilidade política.
Com várias controvérsias a prejudicá-lo e desordem política persistente no partido conservador, a permanência de Boris Johnson enquanto primeiro-ministro não é favorável nem tão certa como vários analistas o fizeram crer. Prova disto são as últimas sondagens realizadas: segundo dados divulgados pela Bloomberg, existe 55% de probabilidade que Boris Johnson deixe o cargo ainda no corrente ano; em sondagem do YouGov/Times, essa percentagem sobe para 63% quando falamos de britânicos que querem a renúncia de Johnson; e quatro em cada dez pessoas que votaram para os conservadores nas eleições gerais de 2019 agora dizem que o primeiro-ministro deve renunciar.
As sondagens não só mostram um afastamento por parte dos Tory, mas, essencialmente do eleitorado que agora vê Boris Johnson como um político agarrado ao poder porque não admite, concretamente, os erros e ações pessoais e enquanto figura política — a renúncia é a única solução viável para Johnson, se ainda quiser sair com alguma dignidade.
Enquanto escrevo este artigo de opinião, ainda são aguardados os resultados do relatório do inquérito que Sue Gray se encontra a realizar sobre as festas ocorridas em Downing Street. No dia 17 de janeiro, Boris Johnson fez um testemunho por forma a colaborar; contudo, segundo a Sky News, ele poderá ignorar os resultados, já que se trata de um relatório que será entregue ao próprio primeiro-ministro — e só nesse momento será decidida a sua divulgação, ou não, à esfera pública. Paralelamente, ainda na mesma semana, tomou-se conhecimento de que o governo britânico está a realizar manobras para que outros “peões” do tabuleiro sejam atirados à boca do leão, ou até mesmo o aliviar de medidas restritivas, a fim de que as atenções sejam desviadas de Boris Johnson. Porém, os escândalos e erros já são tantos que qualquer manobra surgirá como outro equívoco e falha de estratégia, se existe alguma.
As expectativas pelas conclusões do tão aguardado relatório não têm impedido vários membros do partido conservador e da oposição de mostrar a sua opinião, podendo essa ação colocar fim ao “reinado” de Boris Johnson através de uma comissão de destituição do primeiro-ministro — como ocorreu com Theresa May —, acionada pelos membros do Parlamento britânico.
A incoerência (excentricidade) que por muito tempo fascinou os eleitores, especialmente pelo tema fraturante do processo do Brexit, deu lugar a um Boris Johnson conhecido pelas falhas na condução da crise pandémica — e dos sucessivos escândalos. Não é de se estranhar que a credibilidade do primeiro-ministro britânico se encontra em declínio vertiginoso, sobretudo pela prepotência de considerar que, enquanto político, tem benefícios superiores, em que as regras só se aplicam aos demais britânicos e não a ele, menosprezando as consequências para tais atos.
O exagero pautou o quotidiano de Johnson: enquanto apresentava regras e medidas restritivas, realizava “reuniões” regadas a álcool (e não o álcool gel), com pausas para anúncios políticos de desculpas. A ver até quando.
(Texto redigido com o novo acordo ortográfico.)