Pela primeira vez, o partido nacionalista Sinn Féin conseguiu a maioria nas eleições gerais ocorridas na Irlanda do Norte no dia 5 de maio, com 29% do total da votação. Desde então, várias discussões têm surgido nas esferas políticas norte-irlandesa e britânica, o que nos leva a olhar para dimensões e problemas que advêm, num primeiro momento, do Brexit e da aplicação do Protocolo da Irlanda do Norte; num segundo momento, da ação e posição por parte do governo central de Downing Street e do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

Desde o Acordo de Sexta-Feira Santa de 1998, o governo na Irlanda do Norte é um executivo com repartição de poderes. Ou seja, é necessário que os 27 lugares do Sinn Féin, nacionalista, e os 25 lugares do Partido Unionista Democrático (DUP), partido unionista mais votado, escolham, respetivamente, um primeiro-ministro e um vice-primeiro-ministro – um partido não pode estar no cargo sem o outro.

Embora o Sinn Féin tenha direito ao lugar de primeiro-ministro, a incerteza continua a pairar sobre o futuro da Assembleia em Belfast. Em fevereiro, o DUP retirou o seu apoio ao governo devido a protestos contra o Protocolo da Irlanda do Norte (que ainda se mantém), introduzido para impedir a implementação de uma fronteira comercial e aduaneira rigorosa após o Brexit entre a República da Irlanda e a referida região. Como consequência, o governo caiu, impossibilitando a formação de um novo executivo.

O Protocolo estabeleceu controlos aduaneiros aos produtos que são importados da Grã-Bretanha para a Irlanda do Norte – uma fronteira no Mar da Irlanda, o que basicamente mantém a região na união Aduaneira da União Europeia. Essa questão apresenta-se como um dos argumentos para o DUP inviabilizar a constituição de um novo executivo – segundo o partido, que apoiou o Brexit, o Protocolo afastou a Irlanda do Norte do restante Reino Unido.

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O governo de Boris Johnson, especialmente a Secretária dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, tem ameaçado eliminar unilateralmente partes substanciais do Protocolo ou mesmo ativar o artigo 16 – situação que levaria a uma pressão crescente ou a uma disputa comercial entre a União Europeia e o Reino Unido. O primeiro-ministro britânico referiu que é necessária uma “solução legislativa” no que respeita ao Protocolo da Irlanda do Norte, mesmo que viole o direito internacional através de uma ação unilateral e coloque em risco o Acordo de Sexta-Feira Santa.

Com a ativação do artigo 16, ocorreria um novo período de negociações, o que dificilmente modificaria o acordo atual em vigor no Mar da Irlanda. As cedências teriam de ocorrer consensualmente entre Reino Unido e União Europeia para que fosse alcançada uma solução viável, de forma a evitar o risco de fragmentar as relações entre Londres e Bruxelas.

É uma questão de tempo até que o Reino Unido atue sobre o Protocolo da Irlanda, já que o governo de Londres precisa amenizar a tensão política não só com a Irlanda do Norte, resultante das eleições gerais ocorridas no passado dia 5 de maio, como também com Bruxelas, que já sinalizou que usará todos os mecanismos que estiverem à sua disposição para resolver qualquer ação realizada pelo governo de Johnson.

A falta de consenso norte-irlandês no que respeita ao Protocolo tem aumentado as divergências no espetro político e social, não só porque a maioria dos partidos políticos e dos deputados eleitos para a Assembleia da Irlanda do Norte defende a sua manutenção – Sinn Féin, Partido Trabalhista e Social Democrata (SDLP) e People Before Profit, ao contrário dos partidos unionistas DUP, UPV, TUV e independentes –, mas, simultaneamente, devido à posição do DUP, que não olha a meios para rasgar o Protocolo, inviabilizando um novo executivo.

Boris Johnson vê, assim, uma oportunidade de prosseguir com uma solução que preserve a união do Reino Unido e o “Get Brexit Done” (“Concluir o Brexit”, tradução livre), apoiada pelos unionistas. Nesse contexto, ações ponderadas do governo britânico – seja em conjunto com a UE, seja por meio de ação unilateral – serão fundamentais.