Após mais de três anos da dissolução da Assembleia da Irlanda do Norte e de o Partido Unionista Democrático (DUP) ter abandonado o executivo da região devido aos problemas causados pela posição de Downing Street no que respeita ao Protocolo, o futuro da região torna-se cada vez mais incerto.

Em comparação com os seus vizinhos, o contexto da Irlanda do Norte é suis generis, com dois antagonistas muito expressivos: os Unionistas, liderados pelo DUP, que defendem a manutenção da união com o Reino Unido; e os Nacionalistas, liderados pelo Sinn Féin, antigo braço direito do Exército Republicano Irlandês (IRA), que defendem a união das Irlandas.

O embate entre Unionistas e Nacionalistas foi atenuada com o Acordo de Paz de 1998; contudo, o ressurgimento das tensões entre ambos os espetros políticos é uma possibilidade da ordem do dia. Caso o Sinn Féin vença e prossiga no seu desejo de reunificação das duas Irlandas, a “discórdia sobre a fronteira” aumentará, segundo o líder do DUP, Jeffrey Donaldson.

As últimas sondagens realizadas pelo POLITICO apontam a vitória histórica do Sinn Féin, com 26%, afastando para o segundo lugar o DUP, com apenas 19% das intenções de voto para a Assembleia da Irlanda do Norte. Com a vitória dos Nacionalistas do Sinn Féin, a fragmentação do Reino Unido que conhecemos hoje é uma probabilidade crescente.

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Essa incerteza política na Irlanda do Norte levaria ao ressurgimento de feridas ainda por cicatrizar após mais de 20 anos do processo de paz, que encerrou décadas de violência, a partir do momento em que o governo na Irlanda do Norte passou a ser um executivo de repartição de poderes – estabelecido em 1998, após o Acordo de Sexta-Feira Santa.

Apesar de estar implícito no seu cerne político e programático, o Sinn Féin não recorreu a subterfúgios de defesa da união das Irlandas na sua campanha para as eleições gerais nesta quinta-feira. Optou, sim, pela visibilidade dos problemas do dia a dia da sociedade norte-irlandesa, em consequência do elevado custo de vida no contexto da crise dos combustíveis e da guerra na Ucrânia, captando o interesse dos eleitores – sobretudo do eleitorado jovem, que não tem memória dos conflitos que dividiram a região ao longo de décadas.

As pretensões nacionalistas do Sinn Féin com a união da Irlanda do Norte e da República da Irlanda, a ocorrer, pautar-se-á por um processo lento – e penoso –, uma vez que cerca de um terço da sociedade apoia a realização de um referendo sobre a questão da fronteira. Contexto e situação que carecem, a par do que ocorre na Escócia, da autorização do governo de Downing Street: num possível pedido para acontecer um referendo, este será, de certa forma, bloqueado pelo governo central, como já referido por Boris Johnson com a realização de um segundo referendo para a independência escocesa (IndyRef2), defendido pela primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon.

O Protocolo da Irlanda do Norte dominou a campanha e os debates ocorridos para a eleição geral. Num debate televisivo, o líder do DUP referiu que, se as questões relativas ao Protocolo não forem resolvidas, isto poderá inviabilizar a presença do partido no governo, já que, segundo as suas palavras, o acordo para o mar da Irlanda tem causado consequências políticas e económicas. Em contraponto, a líder do Sinn Féin, Michelle O’Neill, refere que a questão do Protocolo não deve ser usada como argumento ou arma política para impossibilitar um governo pós-eleições.

A perspetiva de mais uma região do Reino Unido possuir um governo de um partido que pretende sair da União, como sucede na Escócia, torna a posição de Downing Street e de Boris Johnson cada vez mais vulnerável. A par desta eleição geral na Irlanda do Norte, nas restantes regiões do Reino Unido – Inglaterra, País de Gales e Escócia –, realizam-se as eleições para eleger os representantes locais. Ambas as eleições, apesar de possuírem dimensões distintas, caracterizam-se pela relevância na apreciação da posição do governo central atual em Downing Street e Whitehall.

Este é um contexto de legitimação, ou não, de Boris Johnson, uma vez que o primeiro-ministro ainda está sob pressão devido aos escândalos recentes do Partygate, ao que acumula a hipótese dos conservadores (Tories) obterem resultados negativos nas presentes eleições locais, em comparação com as anteriores. Para estas, as sondagens realizadas pelo POLITICO apresentam seis pontos percentuais de diferença entre o Partido Trabalhista (Labour), com 40%, e os Tories, com 34%.

As eleições gerais na Irlanda do Norte e as eleições locais nas restantes regiões do Reino Unido – em particular na Escócia – poderão levar à ocorrência de uma crise constitucional e política na União. Por um lado, se o Sinn Féin prosseguir no seu desejo de reunificar as duas Irlandas e, por outro, se Nicola Sturgeon conseguir realizar o segundo referendo para a independência na Escócia (desejo visível desde a realização do primeiro referendo em 2014 e reforçado no referendo para o Brexit), o fim da estrutura política do Reino Unido aproxima-se de uma realidade efetiva no horizonte – de Reino Unido a desunido.

(Texto redigido de acordo com o novo acordo ortográfico.)