Ainda que haja possibilidades visíveis no avanço de acordos comerciais no panorama internacional, a saída do mercado único europeu afetou múltiplas dimensões do Reino Unido, impactando empresas (falta de mão de obra) e sociedade (permanência de cidadãos europeus no país). De igual modo, se a questão sobre o Protocolo da Irlanda do Norte – que colocou esta região, simultaneamente, dentro do mercado interno do Reino Unido e do mercado único europeu – não for resolvida entre o governo de Rishi Sunak e a União Europeia, espera-se mais um capítulo sem fim à vista da novela brexitiana.

No capítulo sobre a Assembleia na Irlanda do Norte, que não possui um Executivo na sua plenitude de poderes devido à falta de acordo entre republicanos e unionistas, o contexto de instabilidade ocorre desde maio, momento em que o Sinn Féin (Republicanos) venceu as eleições com 29% dos votos, alcançando pela primeira vez a maioria dos assentos na Assembleia, com 27 lugares dos 90 disponíveis.

Não obstante dessa maioria, a constituição do Executivo para Stormont, na Irlanda do Norte, rege-se pela partilha do poder quer por republicanos, quer por unionistas, em que o Partido Unionista Democrático (DUP), com 21% dos votos, impediu a constituição do governo. Esse “limbo” político causado pelo DUP ocorreu devido à existência de algumas determinações presentes no Protocolo da Irlanda do Norte (controlos e fronteira aduaneira no mar da Irlanda) que divergem da ação que o partido defende – uma Irlanda do Norte cada vez mais próxima à unidade do Reino Unido – e, de igual modo, ao receio implícito que uma vitória do Sinn Féin transpõe para a reunificação das Irlandas.

Com esse impasse e segundo a lei vigente, o governo da Irlanda do Norte perde o mandato, uma vez que o consenso nunca foi alcançado entre as partes; e espera-se que novas eleições sejam convocadas, de modo que um novo governo seja formado e entre em funções efetivas na região. Pouco ainda se sabe se nas próximas eleições o Sinn Féin alcançará uma nova vitória ou se o DUP sairá ainda mais prejudicado nos resultados, sobretudo pela dificuldade política dos últimos meses/anos.

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Apesar de o secretário de Estado do governo britânico para a Irlanda do Norte, Chris Heaton-Harris, ter mencionado que tem o dever de agir para convocar novas eleições para a Assembleia após findado o prazo legal para a constituição de um novo Executivo, essa tarefa não será fácil, uma vez que parte da decisão para a formação cabe ao DUP, o qual, por sua vez, declarou que não susterá as eleições até que as negociações com a União Europeia sobre o protocolo estejam sanadas. O governo britânico e Chris Heaton-Harris já fizeram saber que esperam ter a questão resolvida até ao início do próximo ano, atrasando, assim, o dever legal de convocação de eleições, que deveriam ocorrer até janeiro de 2023 (a convocação  para novas eleições encontra-se agora previsto para abril de 2023). Assim, por ora, a conclusão desse conturbado capítulo se mantém em aberto.

O Brexit tem minado a ação dos últimos governos britânicos, sobretudo quanto à instabilidade e à rutura que o Partido Conservador britânico tem prosseguido incansavelmente na defesa da sua manutenção. Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e, agora, Rishi Sunak parecem colocar permanentemente as consequências palpáveis disso (economia e sociedade) no fim da lista de preocupações. Numa declaração, o então presidente do Banco de Inglaterra, Mark Carney, referiu que “em 2016, a economia britânica era 90% da dimensão da economia alemã. Agora é menos de 70%”, revelando um cenário económico britânico periclitante após a saída efetiva da União Europeia.

Numa revisão dos capítulos dessa novela que o governo britânico não quer levar a cabo, Kenny MacAskill, colunista no The Scotsman e membro do Parlamento britânico, aludiu uma solução necessária na qual o Reino Unido adere à Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), que possui vínculo ao Espaço Económico Europeu (EEE), como forma de restaurar a liberdade de circulação e acesso ao mercado único europeu. A pergunta ou reflexão que se deve fazer é se os Brexiteers vão sustentar tal plano, num momento em que surgem cada vez mais posições extremadas entre esses apoiantes da saída do Reino Unido.

Rishi Sunak, defensor de uma vertente mais moderada, enfrenta igualmente outras dificuldades correlatas: por um lado, o desejo independentista da Escócia e uma nova onda de contestação por parte de segmentos da sociedade britânica, com greves previstas; por outro, a inércia do governo britânico para fugir a escândalos, como a recente renúncia de Gavin Williamson após alegações de má conduta e intimidações perpetradas – demitido em duas outras ocasiões, enquanto ocupava cargos governativos.

E as peripécias só aumentam: com a legislação referente ao Brexit apresentada por Jacob Rees-Mogg, o então Secretário de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do governo de Liz Truss, o governo britânico encontrou centenas de leis que terão de ser revogadas ou alteradas, uma vez que se mantêm estruturadas como se o Reino Unido ainda pertencesse à União Europeia. São leis que perpassam as mais diversas áreas e das quais o governo de Sunak pretende eliminar quaisquer vestígios do direito europeu até ao final de 2023. Contudo, essa legislação tem sido alvo de constantes críticas por parte de juristas e constitucionalistas, uma vez que questões estruturantes do quotidiano da sociedade britânica poderão ser afetadas (saúde, direitos humanos, por exemplo), imputando que a ação por parte do governo britânico é “antidemocrática”.

Entretanto, as negociações do Protocolo da Irlanda do Norte parecem finalmente dar sinais de avanço, indicando um possível auge ao enredo: nesta quinta-feira, 10 de novembro, o primeiro-ministro britânico e o seu contraparte Micheál Martin, primeiro-ministro da República da Irlanda, reuniram-se por forma a dar seguimento ao encerramento de um tópico que tem atrasado a conclusão definitiva do Brexit. Mas até que o ponto final desse capítulo seja redigido, é provável que muitos flashbacks e reviravoltas ainda aconteçam.

(Texto redigido de acordo com o novo acordo ortográfico.)