Quando a base naval de Pearl Harbor foi atacada pela Marinha japonesa em 7 de Dezembro de 1941, a guerra assemelhava-se a um conto sobre o fim da humanidade. O caos percorria o mundo à velocidade apocalíptica de torpedos lançados em alto-mar, ou de balas disparadas em cidades e vilas insones. Em Washington, Roosevelt concluía finalmente que a inspiradora Carta do Atlântico, negociada com Churchill em Agosto desse ano, a bordo de dois navios ancorados em Placentia Bay, na Terra Nova, pouco mais representava do que um átomo de esperança, ante tão vis inimigos. A neutralidade, indulgente e falaz, dificilmente voltaria a ser opção.

Severa tempestade assolara a Europa havia demasiado tempo. O frio entranhara-se no Velho Continente como arrepio de febre em corpo malsão. Hitler coligia territórios e capitais, como se de um jogo se tratasse, e já marchava sobre os Balcãs e a União Soviética. Paris capitulara com estrépito no ano anterior, e um vento cruento e desalmado invadia anonimamente ruas outrora iluminadas, deixando marcas de solidão e tristeza. Intrépida, Londres ainda resistia à sua hora mais incerta e brumosa. Nem a tonitruante Blitzkrieg, dilúvio de bombas arremessadas pela aviação nazi durante meses a fio, conseguira prostrá-la.

Churchill soube da investida pela rádio, já a noite se acomodara com a languidez de um soldado ferido em sangrento combate. Roosevelt confirmou-lha prontamente ao telefone. Unia-os um opositor comum, que se preparava para adentrar na Malásia britânica. A vitória dependia de nova estratégia, de revigorado compromisso, pelo que o encontro era inevitável.

O conflito estava prestes a mudar, e a aliança intercontinental daria razão a Gertrude Stein, que vaticinara no magnífico Paris França, premonitoriamente publicado no dealbar da ocupação alemã, que o século era demasiado velho para cumprir ordens.

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O inglês partiu no Duke of York pouco depois, em 12 de Dezembro. Manteve-se informado durante toda a viagem e até enviou um telegrama a Estaline, dando-lhe conta do desafogo sentido com alguns triunfos na frente russa, perto de Leninegrado e Moscovo. «Nunca me senti tão seguro com o resultado da guerra», referiu. Antes de desembarcar em Hampton Roads, na Virgínia, ainda teve conhecimento da ofensiva do Japão a Hong Kong. Chegou à Casa Branca ao fim de dez longos dias de procela. Ficaria três semanas.

O Natal aproximava-se. Na véspera, o estadista discursou sobre a devastação do planeta com as armas mais terríveis e letais que a ciência podia criar. Não olvidou a ambição belicosa dos contendores nem a torpeza dos êxitos à custa de vidas inocentes. A mensagem, elegante e profunda como versos de Rilke, findou com um pedido tocante: que a tormenta fosse apartada por uma noite, por uma noite só, para dar às crianças um serão repleno de paz e felicidade.

Ao alvorecer, as palavras ainda ressoavam como bátegas em janela voltada para a invernia. Mas o Natal, repetido prelúdio de um caminho sem fim, transforma aflição em fortaleza, desassossego em quietude, névoa em claridade. Há sempre um abraço imune ao abismo, um olhar que escapa à voragem. Ou simplesmente uma canção que eleva o espírito e arrebata a dor, como escreveu Anne Brontë num dos seus carmes: Music on Christmas Morning.

Nesse mesmo dia, Bing Crosby cantou White Christmas em público pela primeira vez, no seu programa de rádio. O tema fora composto por Irving Berlin para um filme protagonizado pelo crooner e Fred Astaire, e cuja estreia ocorreria tão-só no final do Verão de 1942. A simplicidade e pureza da melodia harmonizavam de modo perfeito os infinitos matizes daquelas horas tão ilusoriamente festivas. No cinema, ganharia o Óscar. No mundo, os corações.

No curso da guerra, pela voz do lendário cantor, nasceria também I’ll Be Home for Christmas, que os nova-iorquinos Walter Kent (música) e Kim Gannon (letra) dedicaram aos soldados que combatiam bravamente na Europa e no Pacífico, longe de casa e da pátria, em batalhas ferinas sem epílogo à vista. Decénios volvidos, ainda alenta quem partiu e não desiste de voltar.

Umas vezes, o Natal chega disfarçado de angústia, sentimento que Álvaro de Campos acreditava transbordar em lágrimas e grandes imaginações. Outras, de mera nostalgia: o constante regresso (nóstos) à dor (algos), o vaivém entre desejo e saudade, o pêndulo que insiste em trazer do passado a lembrança amarga de quem perdemos.

Na manhã esplendorosa, a vida desponta, mas antes contam-se os barcos outrora naufragados.