1 Aqui atrás, foi publicado que (referindo-se à disciplina da educação para cidadania e ao caso dos dois alunos de Famalicão) o Senhor Secretário de Estado da Educação, João Costa, disse assim: «Não estamos na esfera da opinião. O currículo é uma fonte de resposta a problemas que existem e obedece a questões de ordem científica» (cf. jornal on line Observador, 12/09/2020). Esta posição governamental autoritária tem vindo a ser apoiada por vários, contra o Manifesto «Em defesa das Liberdades de Educação», mas desviando a questão. E é por isso que volto também ao assunto, para repor a questão nos seus devidos termos.
2 Ora bem. Que dizer? Lá que o currículo da disciplina responde a problemas, não há no mundo nenhum projecto educativo, bom ou mau, que não responda a problemas. Quem discorda do actual programa da disciplina de educação para a cidadania não discorda de que a educação é «uma fonte de resposta a problemas que existem». Portanto, dizer isso é dizer nada. A questão está em que, responder a problemas, sejam eles quais forem, implica sempre uma escolha. Implica por isso a questão da liberdade fundamental de escolher. Ora, é acerca da escolha, feita pela actual maioria parlamentar e pelo Governo da «geringonça», que não estamos de acordo. E porquê? Porque essa escolha é imposta obrigatoriamente a todos e não respeita as liberdades de educação. Só isso; e só por isso. Repita-se: porque a questão é de liberdades fundamentais de educação e não se respeitam as liberdades de educação.
3 É precisamente a estas liberdades que o Secretário de Estado da Educação se opõe (e com ele os que o acompanham) dizendo peremptoriamente: «Não estamos na esfera da opinião. […] O currículo obedece a questões de ordem científica».
Perante isto… a gente fica pasmada! Em matéria de «educação cívica e moral» (que é como lhe chama a Lei de Bases), o Senhor Secretário de Estado declara-nos que «não estamos na esfera da opinião»? Mas a Lei de Bases diz que um objectivo do ensino básico é: «proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral». «Proporcionar» não é impor! E o que a Lei impõe, isso sim, é uma interpretação facultativa, porque diz «proporcionar em liberdade de consciência». Então quem manda? A lei de Bases? ou os governantes da Educação?
4 Toda a gente sabe que a disciplina de educação para a cidadania tem uma história, nacional e internacional, exactamente caracterizada por uma grande variedade de opiniões e de soluções, no espaço e no tempo. Porquê agora dogmatizar uma opção que não é dogmática? Só pode ser porque os governantes é que são dogmáticos.
5 E dizer que «não estamos na esfera da opinião», porque obedece a questões de ordem científica? Ouviram, senhores cientistas das ciências sociais, das ciências humanas e das ciências da educação? E ficam calados?
6 O que é transversal a esta polémica é precisamente a questão das liberdades de escolher a educação. E as liberdades, ou existem (porque se respeitam) ou não existem (porque não se respeitam). Como escreveu um autor que aprecio, e cito livremente: a minha liberdade sou eu que a provo (sou eu que provo se existe ou não existe). E a tua liberdade, acrescentaria eu, és tu que a provas, se a tens ou não a tens. Perguntem aos pais de Famalicão se eles, mãe e pai, têm liberdade de escolher o género de educação para os seus filhos, na escola pública. Não têm. E todos os que lhe negam a objecção de consciência, na escola pública, que pelos vistos são bastantes, negam-lhe as suas liberdades de educar os filhos até ao mais fundo que é possível, exactamente até à intimidade das consciências. Resta a esses pais fugir ao Estado, e pedir refúgio político (remunerado) nas escolas privadas, em que o Estado não financia a escolaridade obrigatória — como devia, porque toda a escolaridade obrigatória é constitucionalmente gratuita? É isso? E depois dizem que são as escolas privadas que discriminam? Se é assim, então deviam proibir as escolas privadas, em nome da não discriminação. Ou em nome de um crime de ódio à escola pública.
7 O Manifesto intitulado «Em defesa das Liberdades de Educação» (que deu origem a este feliz reacendimento do debate sobre a disciplina da educação para a cidadania), foi muito claro ao definir qual é a questão fundamental e transversal. É a questão das liberdades de educação. Não é a questão de discutir sobre o melhor currículo e o melhor regime de frequência para disciplina. E é ridículo querer enganar a questão das liberdades de educação, em Portugal, defendendo que, em matéria de educação para a cidadania, estamos perante «o melhor de todos os mundos possíveis» — como teorizou Leibnitz e o sábio Pangloss de Voltaire ridicularizou.
8 Suprimir ou reduzir as liberdades em nome do que o poder político decreta ser bom e melhor para todos, foi o que (em graus e formas diferentes, é certo) fizeram Lenine e seus sucessores; Mussolini; Hitler; Salazar, Franco, e «tutti quanti». E é o que se faz, entre nós, embora de modo e grau suave, porque se vai até ao ponto de: [1] recusar respeitar a Declaração Universal dos Direitos Homem, que diz expressamente que «pertence aos pais a prioridade do direito de escolherem o género de educação para os seus filhos» (art. 26.º); [2] recusar obedecer à Constituição, que dá aos pais a preferência educativa (art. 36.º) e impõe ao Estado o dever de «protecção dos pais e mães na sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação» (art. 68.º); [3] recusar obedecer à Constituição que proíbe o Estado de programar a educação (art. 43.º), limitando-o a «cooperar com pais» (art. 67.º); (4) recusar cumprir a Lei de Bases que manda respeitar nesta matéria a liberdade de consciência.
9 Foi contra este despotismo, porque este é o termo próprio, que objectivamente, em linguagem serena, sem atacar nada nem ninguém, se publicou o Manifesto «Em defesa das Liberdades de Educação». Basta lê-lo. Como é possível, então, que tantos se tenham levantado contra, inclusive com insultos, como foi o caso do Ministro da Educação, que nos chamou de reaccionários e nos acusou de abrirmos a porta a extremismos, demonstrando assim qual é a educação dele, com a qual quer dogmaticamente ensinar a cidadania aos cidadãos portugueses?
10 Até houve quem, invocando a sua confissão religiosa católica numa questão que é cívica, se declarasse envergonhado pelo facto de dois cidadãos, que são bispos mas nem por isso deixam de ser cidadãos, também — como cidadãos e não como bispos — terem assinado o Manifesto «Em defesa das Liberdades de Educação». Eles, os envergonhados, é que deviam envergonhar-se de si mesmos, se falam enquanto católicos, porque não defendem a doutrina social da Igreja nesta matéria. Que desde sempre foi inequívoca em defesa das liberdades de educação dos pais, das famílias e dos cidadãos, contra todos os autoritarismos educativos estatais de quaisquer quadrantes de opinião.
11 Como nos lembrou há dias Manuel Braga da Cruz, num artigo publicado na Voz da Verdade «on line», o Papa Francisco escreveu o seguinte na sua recente Carta, «Amoris Laetitia», enviada a todo o mundo:
«O Estado oferece um serviço educativo de maneira subsidiária, acompanhando a função indelegável dos pais, que têm direito de poder escolher livremente o tipo de educação – acessível e de qualidade – que querem dar aos seus filhos, de acordo com as suas convicções. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: “qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa medida, até mesmo por seu encargo”. Infelizmente, abriu-se uma fenda entre família e sociedade, entre família e escola; hoje, o pacto educativo quebrou-se; e, assim, a aliança educativa da sociedade com a família entrou em crise» — fim de citação.
12 Será que, por estas palavras escritas, o Papa Francisco também envergonha estes católicos?
Haja uma santa paciência!