Ao contrário da França, na Alemanha não há uma crise política. Caiu um governo e há eleições antecipadas em Fevereiro, mas isso é comum nas democracias. Nos regimes democráticos, a realização de eleições raramente é um sinal de crise política.

O que aconteceu na Alemanha foi a falência de um modelo económico, e a sua reforma vai ser complicada, difícil, e vai exigir coragem e determinação políticas. Vale a pena ler um livro publicado recentemente por um jornalista económico alemão (baseado em Londres), Wolfgang Munchau, “Kaput: The End of the German Miracle”. O livro explica muito bem as causas da prosperidade alemã das últimas décadas, e as razões do fim desse modelo de criação de riqueza.

Vamos deixar de lado o corporativismo alemão e o modelo de financiamento da economia através dos landerbanks (um dos maiores casos de cumplicidade entre o poder político e o poder financeiro que existiu na Europa até à crise financeira da zona euro, e um dos aspectos desse crise que a Alemanha quase conseguiu esconder do resto da Europa; e foi só isso que permitiu aos seus dirigentes darem lições de moral aos restantes europeus). O sucesso económico alemão estava demasiado exposto aos riscos geopolíticos.

Em primeiro lugar, a competitividade global da sua indústria dependia da energia barata importada da Rússia. Nenhum Chanceler alemão até Merkel reconheceu essa fragilidade. Scholz também não o reconheceria se Putin não tivesse decidido invadir a Ucrânia. Mas com a guerra na Ucrânia, as relações entre a Alemanha e a Rússia mudaram dramaticamente. E acabou-se a energia barata que alimentava a indústria alemã.

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Em segundo lugar, a prosperidade da Alemanha dependia das exportações para a China. Até 2022, a Alemanha exportava mais para a China do que a França, o Reino Unido e a Itália juntas. As exportações para a China foram decisivas para a Alemanha criar um excedente comercial, que lhe permitiu aumentar as poupanças e limitar a despesa pública (através de uma lei constitucional). A China também era importante para a economia alemã porque muitas das cadeias de produção da indústria alemã beneficiavam dos custos de produção baixos da economia chinesa. Com o afastamento entre a China e a União Europeia (o famoso “decoupling”), acentuado a partir do início da guerra na Ucrânia, tudo isto acabou. As exportações da Alemanha para a China diminuíram significativamente. Pior do que isso, a China tornou-se no grande rival da Alemanha como a nova potência industrial e exportadora. O mercado chinês não só se tornou menos lucrativo para as empresas alemãs, como a China ultrapassou a Alemanha em termos de produção industrial para o resto do mundo.

Sem a energia barata da Rússia e sem o mercado chinês, a Alemanha tem que repensar profundamente o seu modelo económico. Terá que aumentar o investimento público e que repensar o modelo de financiamento e de investimento financeiro privado. Precisa de uma nova política de energia, com o regresso da energia nuclear. Tem que abrir o seu mercado interno ao sector dos serviços. É fundamental investir muito mais no sector digital e da defesa. Terá que encontrar novos mercados para exportar os seus bens (por isso, a Alemanha é a grande defensora do tratado comercial entre a UE e o Mercosul).

A grande questão será: conseguirão as eleições de Fevereiro produzir um governo capaz de reformar a economia alemã? O futuro da Alemanha e da União Europeia depende, em grande medida, da resposta a esta questão.