A minha avó adora contar histórias da sua juventude. Ela gosta particularmente das lembranças que tem do pós-guerra; as danças, a música, os soldados americanos comprando-lhe bebidas e os vestidos!

Ela era cabeleireira e adorava cuidar da aparência das mulheres e ouvir todas as histórias e as últimas fofocas, enquanto lavava e penteava os seus cabelos. Mais ainda, ela adorava ganhar o seu dinheiro e colocá-lo de lado para um propósito específico: roupas. Quando ela reunia o suficiente, ela corria para a costureira para criar aquela peça de roupa especial com a qual sonhava há meses. Ela ainda fala sobre o seu casaco comprido que adorava ou sobre aquele vestido de bolinhas que está a usar em muitas fotos a preto e branco nos seus álbuns de fotos. Quando a minha avó era jovem, a moda era valorizada, num ritmo lento.

Salta uma geração, é 2021, entramos numa loja e depois na próxima, enchendo sacolas grandes com roupas baratas. Uma t-shirt por 3,00 euros, um casaco por 15,00 euros, uns calções por 5,00 euros e, porque não, outra t-shirt porque é apenas 3,00, mas desta vez numa outra cor!

Abro o meu armário e está cheio de roupas, mas vou sempre para as mesmas camisas e calças. Eu diria que 80% das roupas e acessórios que tenho nunca uso. Hoje, as roupas não são peças únicas, feitas à mão por pessoas talentosas como na juventude da minha avó. Temos acesso a peças extremamente baratas e usamos, descartamos, esquecemos e substituímos com muita facilidade.

Sabias que hoje, em média, cada peça de roupa é usada apenas sete vezes antes de ser deitada fora? Uma peça aqui, uma peça ali, o desperdício é esmagador. A Ellen MacArthur Foundation, referência no movimento da economia circular, descobriu que um camião de lixo cheio de tecido acaba num aterro sanitário ou queimado a cada segundo. Então seria agora. Agora. Agora. Agora. Já entendeste… a cada segundo, uma enorme quantidade de roupas é desperdiçada.

Tenho a certeza de que já está ficando bem claro por que devemos ter um guarda-roupa mais sustentável, mas antes de mergulhar no como, vamos explorar um pouco mais o porquê.

Quando uma camiseta custa apenas alguns euros para nós – o cliente final – há alguém a pagar por nós e é o planeta – sendo explorado e poluído para uma produção em massa barata – ou são os trabalhadores, geralmente empregados em países onde as regulamentações não protegem a sua segurança nem garantem uma vida digna. Precisamos de fazer parte de uma revolução da moda.

O complexo fabril Rana Plaza, em Bangladesh, fazia roupas para algumas das maiores marcas globais de moda. Em 24 de abril de 2013 desabou e mais de 1.000 pessoas morreram e outras 2.500 ficaram feridas, tornando-se o quarto maior desastre industrial da história. Sobreviventes contaram histórias de como repararam rachaduras no prédio e disseram aos seus supervisores que não se sentiam seguros e que tinham medo de entrar no prédio e continuar a trabalhar. Mas a demanda era grande demais para parar a produção e pensar em segurança. O desastre do Rana Plaza era evitável, e foi quando e porque nasceu o Fashion Revolution.

O Fashion Revolution é um movimento global que trabalha em conjunto com comunidades ao redor do mundo para criar mudanças positivas e duradouras para os direitos humanos e a proteção ambiental no mundo da moda. Todos os anos, em abril, acontece a Fashion Revolution Week, uma campanha anual que reúne o maior movimento de ativismo pela moda do mundo, durante sete dias de ação, e este ano vai de segunda-feira, dia 18, a domingo, dia 24 de abril. Vamos fazer parte disso!? Vamos ler sobre fast fashion, assistir a documentários como o The True Cost, aprender sobre o impacto dos materiais e criar o hábito de analisar as etiquetas das nossas roupas.

A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo e é construída sobre a exploração de pessoas e recursos naturais. Mas nós, como cidadãos globais, temos o poder de agir e contribuir para um sistema de moda mais justo e sustentável!

Vamos ver oito passos que vão nos ajudar a ter um guarda-roupa mais sustentável e ético!

1. O passo mais importante de todos… ama o que já tens! Nas últimas décadas disseram-nos que precisamos seguir tendências, fazer compras em todas as estações e usar peças novas todos os dias. Eu sou uma proud outfit repeater, uma repetidora de roupa orgulhosa… e tu deverias ser também! Olha no teu guarda-roupa quais são aquelas peças que te apaixonaram quando as compraste? Quais itens vestem bem e te fazem feliz? Continua a amar e usar estas peças de novo e de novo e de novo.
2. Transforma o que já tens. Com certeza que tens algumas peças que adoravas usar, mas que já não combinam mais com o teu estilo. Estás pronto para um projeto de upcycling? Tenta transformá-las, adiciona alguns detalhes, corta algumas partes… diverte-te!
3. É hora de trocares. Olha ao redor da tua cidade para eventos de troca – também chamados swap – ou planeia um com os teus amigos. Escolhe um local e convida cada pessoa a trazer X peças de roupa em boas condições, depois começa a troca. Troca roupas e acessórios, dá o que não usas e recebe algo novo para ti.
4. Recebe ou pede emprestado. Alguns amigos e familiares têm peças muito bonitas que gostarias de usar… pergunta-lhes! Eles podem não usá-las mais e ficariam felizes em presenteá-las ou podem emprestá-las para uma ocasião especial.
5. Compra em segunda mão. Quando tiveres um tempinho, visita lojas de segunda mão e perde-te entre as muitas opções e cores. Eu encontrei algumas das minhas peças favoritas em lojas de segunda mão! São baratas e não contribuem para o uso de novos recursos porque são peças que já estão em circulação no mercado.
6. Compra marcas pequenas e responsáveis. Cada vez mais há marcas que oferecem produtos que não prejudicam as pessoas nem o planeta. Apoiar pequenas marcas com valores como os teus é um ato especial. E deixa-me interromper antes de dizeres que “elas são caras”: as marcas de fast fashion às quais estamos acostumados são baratas porque exploram as pessoas e a natureza, as marcas responsáveis ​​têm preços justos, não preços caros. Ainda assim, é bem verdade que nem todos podem pagar preços justos.
7. Faz perguntas antes de comprar. Atenção! Não confies cegamente na palavra “sustentável” ou “amigo do ambiente”, nas imagens de folhas e árvores e na cor verde. Pesquisa no site da marca informações sobre materiais e sobre o processo de produção. Onde é que eles produzem? Os trabalhadores do vestuário recebem um salário digno e trabalham em condições seguras? Os materiais são reciclados, upcycled (reaproveitados) ou orgânicos? Possuem alguma certificação de práticas éticas ou sustentáveis? Estas são todas as perguntas que podes fazer a todas as marcas antes de comprar produtos delas.
8. Tem em mente os materiais. 60% das roupas produzidas são sintéticas, por exemplo em poliéster, nylon, acrílico… Estes materiais não são sustentáveis ​​em muitos níveis: são todas formas de plástico e o plástico é feito de combustíveis fósseis (um recurso finito que devemos manter no solo) além de liberar microplásticos. Quando lavamos as nossas roupas sintéticas na máquina de lavar, elas libertam minúsculas fibras chamadas microplásticos, que são tão pequenas que os filtros não conseguem apanhá-las e acabam diretamente no oceano, onde nunca desaparecerão. O plástico nunca desaparece, apenas fica cada vez menor. Para lavar as peças de roupa sintética, eu uso uma bolsa específica chamada Guppyfriend, criada para apanhar os microplásticos e evitar que eles acabem no oceano. As microfibras não são tão problemáticas quando o material das nossas roupas é natural (como cânhamo, linho, algodão…) porque quando as microfibras acabam no ambiente natural, elas se biodegradam. Além disso, não te esqueças da importância do material ser orgânico. Por exemplo, o algodão é natural, mas para cultivá-lo são usados ​​muitos pesticidas; é uma das culturas quimicamente mais intensivas do mundo. Então, quando optas pelo orgânico, sabes que os agrotóxicos não fizeram parte do processo. Queres ser ainda mais consciente e responsável? Procura o impacto geral dos materiais! O algodão orgânico é melhor que o algodão, mas ainda precisa de uma quantidade enorme de água para crescer. Por outro lado, o cânhamo, por exemplo, requer pouca água para crescer e melhora a saúde do solo.

Há muito que podemos fazer para contribuir para um mundo melhor e o nosso guarda-roupa é um ótimo lugar para começar. Tem uma ótima Fashion Revolution Week!

Anna Masiello tem 27 anos, é italiana e fez um mestrado em Lisboa em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade no ISCTE-IUL. É empreendedora e ativista ambiental, com foco no tema do consumo consciente, justiça climática e redução do desperdício. Fundou a startup R-Coat com a qual transforma guarda-chuvas partidos coletados pela comunidade em casacos e acessórios únicos, evitando emissões de gases de efeito estufa e contribuindo para uma indústria da moda mais sustentável.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.