Está a pensar tomar a vacina da Covid-19? Ou já tomou a(s) sua(s) dose(s)? Com o anúncio das vacinas, que vão lentamente chegando ao mercado, surgiu uma nova esperança. No entanto, podendo ser as vacinas uma solução, nem todos as querem tomar.

A magna questão, pois, que aqui se coloca é esta: em Portugal, as empresas podem, sem mais, decidir exigir um comprovativo de vacinação para efeitos de contratação? O artigo pretende precisamente tratar esta e outras questões sobre medidas de salvo-conduto imunitário.

Sabemos que um dos deveres basilares do empregador é o de zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e prevenir riscos laborais. Cabe, assim sendo, ao empregador adotar as medidas necessárias para garantir o cumprimento dessas regras, tendo em conta, além da legislação aplicável, as recomendações das autoridades de saúde relativamente à prevenção da Covid-19.

Noutro prisma, o empregador não pode, por regra, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato ou ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das suas condições físicas ou psíquicas. O que significa, por outras palavras, que, nesta matéria, o princípio geral é o da irrelevância das matérias da esfera privada do trabalhador para a dinâmica do contrato do trabalho.

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Contudo, a legislação laboral admite que esta proibição geral seja temperada através das seguintes exceções:

  1. Quando tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros (v.g. clientes, visitantes, fornecedores);
  2. Quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. profissionais de saúde).

Em qualquer caso, deverá ser sempre fornecida aos trabalhadores justificação escrita. Ademais, os comprovativos devem ser analisados por médico do trabalho, o qual apenas informa o empregador se o trabalhador está (ou não) apto para desempenhar a atividade.

Perante o exposto, pergunta-se: e quanto à sua admissibilidade? Eis-nos, ora, perante a essência da magna questão.

Entendemos, por ora, tratar-se de uma solução juslaboral pouco pacífica e, por isso, assente em sérias contingências. E isto porquê? Entre outras, explicamos abaixo algumas das razões para as nossas reservas:

  1. Existe o elevado risco de tal medida ser considerada discricionária e discriminatória, uma vez que, como bem sabemos, não existem, à presente data, doses de vacinas para todos os que pretendessem a sua toma;
  2. Alguns trabalhadores, por exemplo, podem ter uma razão médica para não pretenderem a toma da vacina, outros podem ter preocupações religiosas, éticas, de saúde ou de segurança;
  • O veganismo, por exemplo, já foi considerado uma crença que poderá merecer proteção. Se uma vacina contém derivados de animais, pode um empregador exigir que o trabalhador contrarie as suas crenças ou religião e tome a vacina para poder aceitar um novo emprego (ou até para o manter…)?
  • E uma trabalhadora que seja aconselhada pelo seu médico a não ser vacinada devido a problemas de saúde, gravidez ou que esteja a amamentar, faz sentido ser prejudicada num processo de recrutamento?

Além disso, parece-nos ainda que este género de solução poderia ditar, em última instância, que pessoas “desesperadas”, no desemprego, com necessidade de arranjar trabalho, se infetassem propositadamente para ter acesso a esta “via verde”.

E mais, poderia incrementar outras práticas, tais como: dar “benefícios” a quem se tivesse “portado mal”, motivando a que pessoas saudáveis se misturassem com infetadas na expectativa de “despachar o assunto” e, assim, cumulativamente, conseguirem obter aquela oportunidade de emprego tão desejada (diríamos, portanto, uma espécie de falso win win).

Não obstante o exposto, entendemos que, após a existência de doses de vacinas para toda a população, poderá existir uma interpretação distinta. Isto é, admitir-se como possivelmente legítimo que o empregador coloque como condição à contratação o referido “passaporte de imunidade” com a finalidade de prevenção de surtos de contágio, tendo, assim, em vista a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros.

No que respeita às situações em que particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. domínios da prestação dos cuidados de saúde), existe uma ponderação e entendemos que deverá prevalecer o direito à saúde, o que não significa, de modo algum, que a proteção de dados não seja escrupulosamente cumprida.

Deste modo, em função da necessidade de proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros (e também porque a maioria dos profissionais de saúde já se encontram vacinados), entendemos admissível que tal prática se possa verificar para estes casos concretos desde que cumpridos os pressupostos legais já devidamente identificados e tratados.

Independentemente do contexto, cumpre reforçar que deverá ser fornecido aos trabalhadores justificação escrita adequada para o efeito. Adicionalmente, o comprovativo de vacinação é analisado pelo médico do trabalho, o qual apenas deve informar o empregador se o trabalhador está (ou não) apto para o desempenho das funções.

Por fim, entendemos que uma decisão deste calibre deve ser considerada apenas como última solução. O que significa, portanto, que antes de recorrer à mesma, a empresa deve verificar e adotar todas as medidas possíveis para assegurar a saúde dos trabalhadores, tais como a implementação do teletrabalho, o fornecimento de EPI, a manutenção das distâncias de segurança e a realização de desinfeção e limpezas periódicas das instalações.

Os tempos não são (ou, ao menos, já não são) favoráveis a que se perspetive o Direito do Trabalho como um espaço em que se abrem duas trincheiras separadas por um campo minado.

Todo o esforço deverá ser no sentido de se encorajar os empregadores a encontrarem medidas adequadas  que privilegiem o consenso, e de se evitar a criação de alçapões que coloquem os trabalhadores perante difíceis e pantanosas zonas “sombrias”.

É, porém, evidente que, por detrás da aparente clareza do problema, se escondem nuances várias e intelectualmente estimulantes a reclamarem, por certo, uma maturada atividade de excogitação de possíveis respostas.

Deste modo, o tiro de partida foi dado e cá estaremos para acompanhar atentamente os próximos capítulos desta temática. Não querendo fazer futurologia, acreditamos que, independentemente do rumo tomado, esta não será a última vez que falaremos sobre o tema.