Um dia, há muitos anos atrás, no Alentejo profundo, um homem que muito estimo, de apelido igual ao meu, conheceu umas ideias de liberdade. Trabalhava de sol a sol, desde criança, numa vida de escassez e mera subsistência. Cedo lhe apresentaram o comunismo. Num qualquer local escondido, à luz de uma fogueira, se contavam histórias maravilhosas da felicidade de quem vivia o “poder do proletariado”.
Estas foram as bases que criaram os valores de um homem lutador, trabalhador, empenhado e sempre disponível, com valores muito fortes e um elevado sentido de justiça e correcção… Um homem exigente com ele e com os outros. Que acreditava que o que poderia ter na vida viria do seu trabalho, que acreditava que deveria servir o partido e o país e não servir-se do mesmo. Um homem que teve várias posições de poder, sem nunca dele fazer uso para seu proveito.
Gosto de pensar que a ele fui buscar as minhas fortes convicções de liberdade e a minha capacidade de acreditar que todos podemos construir uma vida melhor, com base no trabalho, esforço e dedicação. Esse foi o exemplo que vi nele… Um homem que nunca virou as costas à luta, que trabalhou horas intermináveis para ter uma vida digna, que era exigente com qualquer entidade financiada pelo dinheiro dos contribuintes, que depois de reformado se dedicou à missão pública sem qualquer retorno financeiro.
Sinto que partilho os mesmos valores com este homem. Mas se assim é, como é possível ele ser um fervoroso comunista, e eu ser um fervoroso liberal? Parece contraditório, mas estou convicto que é apenas uma questão de contexto. Eu cresci em democracia e liberdade, ele não! Eu luto por algo que não quero perder, ele lutou por algo que queria ter! Ele queria um país que lhe permitisse deixar a miséria pelo fruto do seu trabalho, eu quero um pais que me deixe ser tanto quanto aquilo que eu me empenhar em conseguir! Ele não tinha “grande escolha”, eu ainda vou tendo. Ele sempre quis que o fruto dos impostos fosse para dar acesso a todos por igual à educação, à saúde, à justiça e à segurança… Eu também quero! Ele quis um Estado social que servisse todos, eu também quero! Ele quis prosperidade, eu também quero! Ele quis deixar a sua marca no mundo por via das boas memórias dos que o rodearam e do reconhecimento dos seus pares, eu também quero!
Então qual é a diferença? Só pode ser o contexto.
A realidade é que passados mais de 70 anos, o contexto é muito diferente. Aquilo que “ontem” era uma solução, hoje poderá ser um problema. O mundo evoluiu, a sociedade evoluiu, os indivíduos evoluíram. Politicamente também temos que evoluir.
A base da prosperidade moderna é o liberalismo. Olhando para essa Europa fora, são raros os países que não são economicamente mais liberais que Portugal… E nenhum deles descura o papel do Estado e a existência de um Estado social. Querem-nos fazer pensar que o Estado social existe porque somos “menos liberais”. Mas é o contrário… Quanto mais liberais os países europeus são, mais prósperos são e melhor e mais importante é o papel do Estado nas salvaguardas sociais.
O objectivo de qualquer governo deveria ser acabar com a necessidade dos seus cidadãos receberem apoios sociais, garantindo que o Estado regula as actividades sem regular as escolhas individuais. E isso consegue-se, colocando a riqueza nas mãos das pessoas, deixando-as escolher e decidir o que querem para si.
Não confundam. Os liberais não querem o fim do Estado social… Querem o fim da necessidade das pessoas recorrerem a ajudas sociais! E isso só se consegue de uma maneira: colocando a riqueza nas mãos das pessoas, salvaguardando o funcionamento das instituições essenciais, libertando a economia das mãos do Estado, devolvendo a iniciativa aos cidadãos, criando as condições para que estes tenham a capacidade de crescer, evoluir e prosperar.
Queremos mais? É possível, mas temos que voltar a lutar pela liberdade política, económica e social.