Não há nada melhor do que ver um filme pela milésima vez ou ler um livro que já sabemos exatamente como vai terminar. O poder da comodidade é imenso e esse conforto ocupa um lugar tão ou mais importante que a abertura ao desconhecido. Senão vejamos. Porque sentimos tanta aversão (cúmplice da indecisão) em explorar algo novo quando nos é dada essa possibilidade em detrimento da repetição? Ou, melhor dizendo, porque é que não nos é imediata a vontade de descobrir e desvendar e, ao invés, mantemo-nos reféns do que já sabemos e conhecemos?

Pertenço a uma geração inquieta, mas não é só a nossa que o é. Sejamos sinceros, quantas horas (fui ambiciosa ao sugerir horas, minutos vá) seguidas conseguimos estar sem tocar no telefone? Ou simplesmente sem olhar para ver se temos alguma notificação? Com tantos estímulos cognitivos que temos hoje em dia, é difícil mantermo-nos focados numa só matéria; razão pela qual ver filmes ou episódios de séries repetidos é manifestamente uma situação win-win. Não exige a mesma atenção e gostamos disso. Sabemos perfeitamente como começa e culmina: os diálogos que nos fazem rir e os momentos descartáveis. Ou seja, esse filme serve perfeitamente o seu propósito: entreter, sem sugar integralmente a nossa atenção.

Não são só filmes ou livros que nos dão o sentimento do conforto. Quantas vezes já ponderámos ir jantar fora e ficámos indecisos entre ir a um restaurante novo ou ir àquele que tem O prato e A sobremesa que nunca desiludem? É uma batalha renhida, onde quase sempre o vencedor é a novidade, porém, sem o sabor de vitória esperado. Fica sempre a sensação de “até era bom, mas o outro tinha…”. O outro representava uma escolha segura, acompanhada por (mais uma vez) um sentimento de aconchego sem surpresas nem desilusões.

Viagens são outro tópico, mas aqui a complexidade é outra. Diria que a finalidade é quase sempre colecionar cromos, ou seja, conhecer cidades/países novos. Fazer mais um check no fundo. Mas depois pensamos: quantas vezes já fomos a Paris? A Madrid? Obviamente que queremos ir de novo a Londres, então agora que vai haver aquele concerto ou aquela exposição! O mais engraçado é que por vezes o que gastamos em viagens e experiências repetidas excede o que desembolsaríamos se fôssemos a um lugar diferente. E, mais uma vez, porquê? Porque temos memórias naquele espaço com um grupo de amigos que só vemos uma vez por ano e calhou que estava bom tempo e pudemos passear durante horas a fio.

Quando consumimos algo várias vezes ganhamos ideias mais profundas e definidas. A título de exemplo, se assistirmos a um mesmo filme com intervalos de tempo espaçados, conseguimos ter consciência do nosso crescimento e evolução através dos pensamentos que previamente retirámos e que agora retiramos desse mesmo filme. Como se o nosso cérebro criasse camadas cognitivas cada vez mais acentuadas e desenvolvesse cada vez melhor a nossa interpretação e atenção.

As recordações ocupam um lugar tão valioso que estamos constantemente na expectativa de as conseguirmos repetir, o que raramente, ou mesmo nunca, acontece, podendo, na maior parte das vezes, preterir a novidade. Tal como tudo, o equilíbrio é a chave, mas quando falamos de comfort movies, a firmeza dessa palavra enfraquece consideravelmente.

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