O Padre João Seabra (1949-2022) não deixava ninguém indiferente. Pela minha parte, tive o privilégio de o conhecer no contexto da Universidade Católica e de cada uma das conversas que tive com o Padre João recordo a sua energia, determinação, franqueza e profunda atenção ao outro, própria de alguém para quem a evangelização pela conversação e pela acção constituía uma espécie de segunda natureza e motivação omnipresente.

Formado em Direito (pela Universidade de Lisboa), Teologia (pela Universidade Católica Portuguesa) e Direito Canónico (pela Universidade Pontifícia de Salamanca e pela Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma), a promoção da educação em liberdade foi sempre uma preocupação central na sua vida. Uma prioridade que se ligava naturalmente com a prioridade dada à dignidade da pessoa humana e com as suas inegáveis qualidades de liderança carismática.

Qualidades que foram decisivas para a fundação e afirmação do Colégio de São Tomás, um projecto exemplar de educação para a liberdade e para a responsabilidade, proporcionando a crianças e jovens uma formação integral, católica, e orientada para o desenvolvimento integral da pessoa. O Padre João foi também, entre muitos outros cargos e responsabilidades, Director do Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica, posição que nunca o coibiu de expressar com a frontalidade e coragem que sempre o caracterizaram o que acreditava ser importante frisar em cada momento.

Mas a melhor síntese que encontrei sobre a vida e legado do Padre João foi o belíssimo testemunho de António Pedro Barreiro, um dos melhores alunos de que tive o privilégio de ser professor ao longo da minha vida, e cuja leitura integral recomendo vivamente:

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A Igreja em Portugal deve ao Padre João Seabra, nos seus quarenta e quatro anos de exercício fiel e apaixonado do sacerdócio, mais do que eu sei dizer num artigo. Foi um capelão decisivo para gerações de alunos da Universidade Católica e, depois, um Prior carismático em Santos-o-Velho e na Encarnação. Deu um contributo imprescindível para o caminho das Equipas de Nossa Senhora – de casais e de jovens – e fundou vários campos de férias. Trouxe para Portugal o movimento Comunhão e Libertação e, desse modo, ajudou a formar um friso de líderes católicos cultos e santos, com os pés bem fincados nos meios culturais e na vida política. Travou com inteligência e valentia os combates cívicos em defesa da vida e da família, sem tibiezas nem línguas-de-pau. (…) Foi, sobretudo, um director de almas abençoado com um olhar penetrante e arguto e com uma língua que a Providência eximiu de quaisquer salamaleques ou ataduras politicamente correctas.

Na edição de 2017 do Estoril Political Forum , o maior encontro internacional de estudos políticos que se realiza em Portugal organizado anualmente pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, o Padre João Seabra foi muito justamente agraciado com o prémio Fé & Liberdade. Para além do elogio ao premiado feito na ocasião por Guilherme de Almeida e Brito, vale a pena recordar o discurso de aceitação do prémio Fé & Liberdade por parte do Padre João, e em especial a sua conclusão:

Como falo para decisores políticos, filósofos e estudantes de ciência política, não resisto a terminar citando as palavras que o Papa Bento XVI dirigiu aos deputados do Bundestag em 2011. O que pode um político desejar no século XXI? “Em última análise”, dizia o Papa, “nada mais (…) que um coração dócil, a capacidade de distinguir o bem do mal e, deste modo, estabelecer um direito verdadeiro, servir a justiça e a paz”. Num mundo em que tantas forças nos impelem a perder as referências e o sentido, saibamos compreender que a verdadeira liberdade está em conhecer o caminho, fincar os pés e avançar.

Para além do seu testemunho ímpar de vida, talvez seja esta a mais importante mensagem que o Padre João nos deixa para ajudar à difícil navegação nas águas frequentemente tumultuosas do mundo moderno: perceber que o exercício genuíno da liberdade exige discernir em consciência o caminho, fincar os pés e avançar.