“Oito anos de diminuição da dívida. Será tudo sorte?” perguntou Manual Caldeira Cabral, economista, ex-ministro da Economia, em resposta às preocupações que eu e outros colocámos sobre o processo e narrativa de redução da dívida pública.
Os argumentos de Caldeira Cabral para o sucesso do Governo são dois: 1. no passado democrático nunca se conseguiu uma redução da dívida pública tão consistente, pronunciada e prolongada e 2. poucos países conseguiram uma redução de dívida como Portugal. Ganhámos, de acordo com o ex-ministro, face à história e face aos nossos parceiros.
Não creio que seja assim. A política seguida pelo PS nestes últimos oito anos não é recomendável. Não é de todo assim que se controla as contas públicas. E reitero um anterior texto: “não se pode, ou não se deve, lançar urras à trajetória da dívida e passar a ideia que estamos a ter boas políticas, quando tal não acontece. Temos de querer mais, e ter mais escrutínio sobre os resultados, bem como capacidade prospetiva futura”
A comparação que Caldeira Cabral faz com o passado não é a mais correta. Importa primeiro contextualizar que os tratados europeus impõem que a dívida pública deva estar abaixo de 60% do PIB, e estando em nível superior, deverão os países apresentar uma redução consistente de descida da dívida. Quando um governo supera os números, os eleitores podem ver e penalizar o roubo sobre gerações futuras num qualquer ato eleitoral. Contudo, entre economistas e instituições internacionais, o controlo que se faz da evolução da dívida pública é outro.
Noutro texto, abordei por exemplo os fatores por detrás da trajetória (pib e inflação) e o que implica o grilhão de termos mais pagamento de juros. De um ponto de vista económico para a sustentabilidade das contas públicas, importa saber se o custo da dívida cresce tendencialmente a um ritmo menor que o crescimento nominal do PIB. Traduzindo: o crescimento do serviço da dívida tem de ser mais baixo do que o crescimento da economia, incluindo a inflação. Ora na década de 80, afastado o FMI, e na década de 90, tal acontecia. Ou a economia crescia, ou havia inflação, ou os juros estavam tendencialmente a descer ou ainda a fardo da dívida pública era tão reduzido que mesmo com juros altos, o serviço da dívida crescia a níveis comportáveis face ao PIB. Na comparação com o passado, estes oito anos não são extraordinários no que à sustentabilidade da dívida diz respeito.
No entanto, comparação destes oito anos de Governo socialista, com o primeiro ciclo de político estabilidade democrática revela bem as diferentes opções políticas. Com António Costa o controlo da dívida faz-se da forma mais amarga: apertando o cinto, pouco investimento, destruindo a administração púbica e o estado social e reprimindo a classe média. A dívida pública deve ser controlada para continuarmos a prestar serviços públicos e para não romper um contrato intergeracional.
Nos anos 80s e 90s, apesar das diferenças ideológicas e de opções políticas que se possa ter e do aproveitamento que se fez da conjuntura, as contas estavam controladas porque crescíamos e queríamos crescer, a par da existência de um estado social e de bem-estar. Retirar os “detalhes” de crescimento e de ambição política da equação é esconder o mecanismo de sustentabilidade por via da prosperidade
A diferença que tenho com este Governo é que defendo que a dívida pública deve ser controlada por crescimento e reforma do Estado e da Administração Pública e não por cativações, expedientes, juros das obrigações do tesouro anormalmente baixos, dividendos do Banco de Portugal e, mais recentemente, inflação.
Numa linguagem de gestão talvez seja mais fácil de entender: quero controlar as contas porque há uma estratégia e uma política bem conseguida de redesenho do Estado, das suas funções sociais e de promoção do mercado e do crescimento económico e não um aproveitamento tácito e abusivo das condições de mercado e da conjuntura económica.
Como exemplos do necessário redesenho do Estado posso dar diversos exemplos: uma reforma da segurança social, um novo modelo de SNS. Fundamental um modelo de justiça. Uma carga fiscal amiga de crescimento e investimento. Também não é possível pensar numa estratégia de futuro que não passe pela atração de capital.
Respeitar os limites de endividamento de um país, não pode ser uma mera opção política, deve ser o caso-base de toda a governação. Estar o Governo orgulhoso de ter cumprido o mínimo não deve ser motivo de regozijo para ninguém. Não é sorte, é sorte malvada.