No final de 2004, a dívida pública portuguesa ultrapassou pela primeira vez a fasquia dos 100 mil milhões de euros, cifrando-se em 67,1% do PIB. Em julho desse ano, Durão Barroso apresentou a sua demissão do cargo de Primeiro-Ministro, optando pelo cargo de presidente da Comissão Europeia.

Em fevereiro de 2005, o Partido sSocialista venceu as eleições legislativas com maioria absoluta e José Sócrates tornou-se Primeiro-Ministro de Portugal. No final de 2008, sabendo que se iriam disputar eleições legislativas na segunda metade de 2009, esse Governo e esse Primeiro-Ministro decidiram aprovar um Orçamento do Estado com o maior aumento salarial dos funcionários públicos desde 2001.

Em setembro de 2009, o PS voltou a ganhar as eleições, mas já sem maioria absoluta. Apenas um ano depois, José Sócrates anunciou um corte de até 10% na despesa total de salários do setor público, entre outras medidas de austeridade. Isso não evitou que, no fatídico dia de 6 de abril de 2011, o “Engenheiro” proferisse as seguintes palavras: “O Governo decidiu hoje mesmo dirigir à Comissão Europeia um pedido de assistência financeira por forma a garantir as condições de financiamento do nosso país, ao nosso sistema financeiro e à nossa economia.”

Voltando aos números, pois esses normalmente não nos enganam, a dívida pública passou de 75,6% do PIB em 2008 para 87,8% em 2009, 100,2% em 2010 e 114,4% em 2011, ultrapassando pela primeira vez os 200 mil milhões de euros.

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Para além dos esquemas para controlar a CGD e a comunicação social, das decisões que levaram à derrocada da PT e de todas acusações que caíram e as poucas que serão julgadas na Operação Marquês, o aumento de 100 mil milhões de euros na dívida pública foi o maior “crime” político cometido por José Sócrates. Um “crime” no qual as vítimas foram todos os Portugueses, em particular as gerações que pagarão a fava durante décadas.

Uma parte desse aumento foi realizado para aumentar as probabilidades do PS vencer as eleições em 2009. Essa falta de sentido de Estado e de responsabilidade foi desmascarada um ano depois quando o mesmo Primeiro-Ministro veio retirar o que antes tinha dado.

Se no passado dia 9 de abril a sociedade portuguesa ficou compreensivelmente revoltada por ver o juiz Ivo Rosa ilibar os arguidos de muitos dos crimes de que eram acusados, convém não esquecer que uma parte considerável dos Portugueses também ilibou José Sócrates nas eleições de 2009, premiando o esbanjamento do então Primeiro-Ministro por oposição aos avisos “maçadores” de Manuela Ferreira Leite.

Para reforçar este ponto, relembro as palavras ditas por Passos Coelho em julho de 2012, durante um jantar do grupo parlamentar do PSD: “Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal.” Essas palavras foram ditas apenas um ano depois de Passos Coelho passar a liderar o Governo de Portugal, herdando o pedido de assistência financeira e, por consequência, o memorando de entendimento da Troika.

Quando concorria às eleições de 2015, Passos Coelho colocou em prática a sua frase de 2012 e optou por não prometer o que não sabia se podia dar. Já o PS, liderado por António Costa, não tardou em prometer o dobro do ritmo da devolução dos rendimentos que tinha sido proposto pelo PSD.

Nesse ano, o défice foi de 4,4% do PIB e a dívida pública atingiu 131,2% do PIB. Estes números não impediram a geringonça de aprovar a lei 18/2016 de junho de 2016, que definiu as 35 horas como o limite máximo semanal do horário na função pública. Acontece que, se no final de 2015 havia 656 mil funcionários públicos, no final de 2020 esse número passou para 719 mil. Não será coincidência notar que a despesa pública passou de 84 mil milhões de euros em 2016 para 91 mil milhões em 2019 e 98 mil milhões em 2020.

As opções estratégicas do Governo passaram por acelerar a devolução de rendimentos, reduzir o horário da função pública, aumentar o número de funcionários públicos, reduzir o investimento (que foi inferior ao de Passos Coelho), aumentar a carga fiscal e não realizar qualquer reforma que pudesse comprometer as possibilidades eleitorais.

Genericamente, essas opções minaram a nossa competitividade. Um exemplo claro foi a contra-reforma do IRC, que veio reverter uma parte das medidas que tinham sido aprovadas em 2013 com os votos favoráveis do PSD, CDS e PS. Essa contra-reforma permitiu que Portugal continue a apresentar a segunda taxa de IRC mais alta da Europa.

Mesmo assim, aproveitando as baixas taxas de juros da dívida pública e níveis inéditos de turismo e investimento imobiliário, em 2019, Portugal registou o primeiro superavit das contas públicas da sua história democrática. Mas a dívida e a despesa públicas brutas nunca pararam de aumentar e o investimento público continuou pelas ruas da amargura.

Com a chegada da pandemia, todas as lacunas dessas opções políticas foram realçadas. No final de 2020 voltámos a atingir uma dívida pública e uma carga fiscal recordes, que atingiram, respetivamente, 133,7% e 34,8% do PIB em 2020, dados que nos tornam num dos países pior preparados para responder a esta crise.

Se o período socrático nos demonstrou a importância de votarmos em políticos que falam a verdade e nos apresentam soluções que nos preparam para o futuro, nas próximas eleições convém não esquecer essas lições para não as deixar prescrever, ilibando todos os crimes de populismo.