No início de Março, o país soube que, assim que abandonasse o parlamento, Pedro Passos Coelho daria aulas em três universidades – duas públicas e uma privada. O ISCSP foi a primeira instituição a avançar, contratando o ex-primeiro-ministro para leccionar Economia e Administração Pública, com o estatuto de catedrático convidado. Rapidamente estalou o verniz – protestos de académicos, críticas de políticos, ebulição nas redes sociais. A discussão foi longa, justificou inúmeros ângulos de análise e permitiu constatar o óbvio: o problema não era, como se alegava, o estatuto de catedrático convidado, porque muitos outros políticos (nomeadamente do PS) haviam recebido iguais convites sem despoletar um centímetro de resistência. O problema era o ódio a Passos Coelho: a esquerda nunca lhe daria paz, fosse qual fosse o rumo da sua vida profissional.
Aparentemente, funcionou: por mais que se tivesse concluído que toda a discussão foi ridícula, que se saiba só o contrato com o ISCSP avançou. Isto é, tanto quanto se sabe, as outras duas instituições (uma pública e uma privada) desapareceram de cena. Ou seja, é razoável supor que os protestos produziram dano efectivo na vida de Passos Coelho: antes dos protestos havia três universidades interessadas na sua contratação, depois dos protestos só uma realmente avançou.
A regra não-escrita é conhecida: “quem se mete com o PS, leva”. E se Passos Coelho é um exemplo óbvio e recente, existem muitos outros. Veja-se a onda de ódio que caiu subitamente sobre Nádia Piazza assim que foi tornada pública a sua participação num grupo de trabalho do CDS – insinuações, ataque à sua credibilidade, desrespeito total pela sua decisão e pela sua perda pessoal. E uma mensagem clara: qualquer independente que, como ela, colabore com críticos do governo PS será alvo de retaliação. Recordem-se também as ameaças (físicas e profissionais) de que tem sido alvo o juiz Carlos Alexandre, que lidera as investigações a José Sócrates e a Ricardo Salgado, cujo objectivo não poderia ser mais claro: dissuadir quem investiga. Ou, em escalas menos públicas mas igualmente intimidatórias, reveja-se como humoristas, jornalistas ou cronistas pagam o preço profissional quando o seu trabalho tem por alvo figuras influentes do regime e do aparelho socialista.
Dir-me-ão que nada disto é novo. Certo: o PS sempre se considerou dono do regime e agiu como tal impondo-se no controlo dos negócios, da comunicação social e das movimentações na sociedade civil – afinal, não é um acaso que Sócrates tenha feito o que fez, ao lado de quem fez e durante tanto tempo sem que uma alma o denunciasse. Mas o ponto agora a reter é que, com as mãos dadas a PCP e BE, o domínio do PS não enfraqueceu – pelo contrário, tem tudo para se acentuar, pela simples razão que encontra ainda menos obstáculos.
É mais do que sabido que uma das razões do sucesso do actual governo está no controlo da contestação social organizada – factor para o qual contribuem PCP e BE, diminuindo a crispação nas suas estruturas sindicais e profissionais. O que menos vezes é assinalado é que esse controlo da máquina do protesto não serve só para influenciar o ambiente do debate político e a tomada de decisão quanto a medidas concretas. Esse domínio do poder e do protesto organizado, estendido às redes sociais através de contas (algumas anónimas) com milhares de seguidores, é também uma arma de intimidação constantemente apontada a quem ousa desafiar os planos dos seus titulares. A retaliação é implacável: acusações, pressões institucionais, agressões pessoais e envolvimento da família – o que for necessário para, mais do que abafar a mensagem, fazer o mensageiro pagar o preço. E, assim, lançar também um aviso público: quem ponderar seguir pelo mesmo caminho fica a saber o que esperar.
Do outro lado da barricada, surge a pergunta que, goste-se ou não, é inevitável: valerá a pena passar por isto, tornar-se saco de pancada e arriscar consequências pessoais e profissionais? São muitos mais os que decidem que não, não vale a pena: basta ouvir o que tantos empresários, políticos, jornalistas e académicos dizem em privado e depois não repetem em público. Poder-se-ia, então, concluir que esta máquina de intimidação funciona porque a cobardia é mais numerosa do que a valentia. Por mais que tudo isso seja desanimador, o ponto que importa não é esse. O verdadeiro ponto está na pergunta de partida ter de ser colocada: algo está mal quando o poder se alimenta da intimidação e quando o exercício concreto da liberdade ascende a acto de coragem.