Aparentemente, alguns dos principais líderes europeus, latino-americanos e o governo português não aprenderam a lição do caso trágico da Síria. Repetem que o Presidente Nicolás Maduro está acabado e tem de se ir embora de Caracas, com o mesmo entusiasmo com que declararam, no passado, que Bashar al-Asad estava acabado e tinha de abandonar Damasco. Mais, acrescentam que o tempo das intervenções militares acabou. Aparentemente, confiam que o povo desarmado e faminto da Venezuela tratará de mudar facilmente de regime.

O que é que isto tem de errado? Em princípio, nada. É fácil simpatizar com o desejo do Ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva de que o regime de Maduro tenhamos chegado ao fim. Não devem ter faltado pressões para Portugal seguir esta linha. E quem se poderia opor a tão nobre causa como a democratização da Venezuela? Mas, na prática, corremos o risco de confundir desejos com realidades, e em nome de que uma suposta política externa ética adotar uma visão cor-de-rosa das relações internacionais.

Não há uma saída fácil para a crise da Venezuela. O regime Chavista pode entrar em colapso, mas isso está longe de estar garantido. O colapso do um regime deste tipo só é provável se perder o apoio das suas forças militares e paramilitares. Mais, uma mudança de regime no meio do caos económico que levou o PIB da Venezuela a cair para metade, na multiplicação do número de homicídios por três e na proliferação de todo o tipo de atividades ilegais será sempre complicada e está longe de ser garantidamente pacífica.

Neste contexto, só a Administração Trump parece estar a seguir um caminho lógico ao querer manter em cima da mesa uma ameaça credível de intervenção armada, como pede a própria oposição venezuelana. Se Juan Guaidó ainda não foi preso, ao contrários de outros no passado, isso deve-se não há presença de diplomatas europeus aquando do seu recente regresso a Caracas, por corajosa que ela seja, mas sim à ameaça norte-americana de que se tal acontecesse teria consequências muito sérias, inclusive militares. Só o risco de um colapso total das suas forças, de uma intervenção externa, e contrapartidas significativas poderão convencer parte da liderança do regime Chavista, em particular os chefes militares, a correr o enorme risco pessoal de aceitarem um novo regime.

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Quem acredita que é impossível haver futuro para o regime de Maduro, autoritário e falido, gerando milhões de refugiados e inflação de um milhão por cento no ano passado, não tem prestado atenção à Síria de Asad, ou ao Zimbábue de Mugabe. Este último caso mostra que, mesmo que Maduro venha a cair, a solução pode ser uma reconsolidação autoritária com outro protagonista. As elites que rodeiam Maduro, como as que rodeavam Mugabe ou Asad, têm quase tudo a perder com uma mudança. Até porque as promessas de imunidade e amnistia ficaram minadas pela prática, nas últimas décadas, de pôr em causa acordos de transição em nome da prevalência absoluta da punição de crimes contra os direitos humanos. Um objetivo louvável, mas que veio tornar mais difícil levar a cabo mudanças de regime negociadas, pois perderam credibilidade as concessões que poderiam levar os defensores de um regime autoritário a desistir de o defender até ao fim.

As sanções podem destruir um país, mas a má gestão da economia pelo regime Chavista já fez isso na Venezuela, uma dos países mais ricos em energia no mundo está sem eletricidade dias seguidos, e isso não levou à queda de Maduro. Sanções ou declarações não podem garantir o derrube de um regime decidido a manter-se no poder a todo o custo, enquanto tiver o apoio de forças armadas e de alguns atores internacionais de peso. E se é duvidoso, mas não impossível, que a Rússia arrisque na Venezuela tanto quanto o fez na Síria, já a vizinha do Caribe, Cuba, tem muita experiência em resistir a pressões externas e considera vital a sobrevivência do regime de Maduro, que é o seu grande fornecedor de petróleo barato.

Claro que ameaçar uma intervenção militar sem a levar a cabo, se essa ameaça não resultar, também é um risco da parte dos E.U.A. Claro que uma intervenção militar deve ser devidamente preparada. Claro que uma intervenção militar tem sempre custos elevados. Mas uma intervenção militar é a única forma de garantir o derrube rápido de um regime do tipo do atualmente vigente na Venezuela. Há poucas coisas certas na crise da Venezuela, exceto que ela não tem saídas fáceis e boas, trata-se de tentar escolher o mal menor.

O que fará Portugal se Maduro conseguir durar e decidir expulsar os diplomatas portugueses em Caracas? A vasta comunidade portuguesa na Venezuela já está numa situação terrível, mas é otimista afirmar que ela não pode piorar. Na ausência de garantias de ação decisiva pelos nossos aliados, teria sido melhor ter sido mais prudente. Esta ilusão de que basta decretar o fim de um regime para ele cair pacificamente é especialmente perigosa para Portugal neste caso, pois se a crise se prolongar e agravar poderemos vir a ter de nos preparar para receber centenas de milhares de retornados da Venezuela com passaporte português.

Bruno Cardoso Reis é Sub-Diretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL e escreve a título individual