De 2 a 15 de janeiro, o Observador vai acompanhar a missão MDRS 238 que simula uma expedição a Marte numa estação “espacial” instalada no deserto do Utah (Estados Unidos). Pedro José-Marcellino, primeiro oficial e documentarista da missão, vai contar-nos diariamente o que se passa: desde o início da viagem, a partir do Canadá, até ao dia em que derem a experiência por completa.
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Grand Junction, Colorado (EUA) — A contagem decrescente para o Ano Novo já começou. Vai ser aqui mesmo na minha suite, com uma garrafa de cava [espumante espanhol] bebida em copos de plástico baratinhos. Não muita, para não agravar os efeitos da altitude, a que uns já se habituaram melhor do que outros. A  tripulação está instada ao isolamento depois de ter sido toda confirmada saudável, a luz verde dada pelos testes PCR de hoje.

No rés-do-chão, o bar do hotel está ao rubro. Uma banda de country vai tocando covers sobre carrinhas de caixa aberta, cervejas e miúdas, e o público — uma mistura caricata de cowboys, esquiadores a caminho de Vail/Aspen, e muitos viajantes apeados pela enorme borrasca que fechou as estradas nas Montanhas Rochosas — está animadíssimo. Afinal, amanhã é 2022! O problema é que a taxa de vacinação do estado do Colorado ronda apenas os 66%, e praticamente ninguém usa máscara, o que nos tem causado alguma ânsia.

Para a nossa tripulação, o risco de sermos contaminados na reta final, depois de dois anos em compasso de espera e de termos viajado milhares de quilómetros, é inaceitável. Se um de nós contraísse COVID-19 antes de domingo, poderia pôr em risco a continuação da missão. Dois ou mais, e seria certamente cancelada.

Aliás, por esse motivo é que decidi não arriscar o voo de Denver para Grand Junction (por isso, e por ter bagagem que nunca mais acaba). Ao contrário do que acontece no Canadá, nos voos domésticos nos Estados Unidos não há obrigatoriedade de vacinação ou teste negativo. Ou seja, é preciso ter fé nos colegas de fila, e eu não tenho. Por isso é que decidi conduzir as mais de seis horas pelas montanhas, que na altura me pareceu uma ideia brilhante. Quase me saiu o tiro pela culatra. Ontem, o gelo e a neve pesada fecharam por vezes os túneis e desfiladeiros, mas a coisa foi andando. Ainda me doem os ombros da tensão.

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Depois de tanto tempo de preparação, a confirmação final só nos chegou no fim de outubro, meras semanas antes de a variante Ómicron ter lançado o caos sobre as nossas aspirações. Depois, foi tudo muito rápido. Em novembro, pela primeira vez em dois anos, estava agendado para viagens de produção na Terra Nova, na Nova Inglaterra e na Islândia. Voltei a casa com duas semanas para me reorganizar.

[Vídeo de Pedro José-Marcellino a refazer a mala que tinha feito à trouxa-mocha em Toronto.]

Encerrar projetos, ou pelo menos prepará-los para seguirem sem mim durante umas semanas, e depois alinhavar toda a logística da missão durante a semana de Natal não foram tarefas fáceis. Tanto é que acabei por fazer a mala à trouxa-mocha. E é por isso que hoje, último dia do ano, ainda vou passar umas horas a consolidar a bagagem.

Entretanto, os desafios da missão já se acumulam. A neve prevista para as próximas semanas promete cancelar quase todas, se não todas as EVAs (atividades extra-veículares). A nossa Oficial da Estufa, Kay Sandor — a mais sénior do grupo — padece de um súbito problema de mobilidade que ameaça colocar entraves à sua participação. Esperamos ansiosamente pela chegada à estação, onde teremos dois dias de treino em pessoa, e discussões com a direção sobre isto e as muitas micro-decisões que temos de tomar. O nervoso miúdo já começou.