Os sistemas de saúde em muitos países estão em dificuldades financeiras, independentemente do seu modelo de organização. Seja o modelo inglês (no qual o SNS português se inspirou), o alemão ou o americano, em todos os custos não param de crescer a uma taxa de crescimento superior às economias dos respetivos países. Com maior ou menor rapidez, é uma questão de tempo até deixarem de cumprir a sua função de promover a saúde e tratar as doenças da população.
Em Portugal a discussão tem andado, erradamente, à volta da dicotomia público-privado. Quando um doente procura um médico não quer saber quem é o patrão do médico. Quer ver o seu problema resolvido com rapidez e eficácia.
A verdadeira causa do descontrolo dos custos e da incapacidade de acompanhar as necessidades dos doentes é que, regra geral, estas não são a prioridade da nossa maneira de trabalhar. Nomeadamente, o que está em causa é o modo de valorização e consequente remuneração do nosso trabalho. Os atuais métodos de financiamento da saúde não garantem esse desiderato.
Os pagamentos por quantidades de atos fomentam a multiplicação de consultas, técnicas, exames e cirurgias sem que isso reverta obrigatoriamente em benefício dos doentes. Induzem a procura, como se pode ler nos livros de Economia da Saúde. Também o modelo de pagamento por valor relativo dos atos tem os mesmos inconvenientes, embora tenha consequências assimétricas para diferentes atos e especialidades.
“É preciso três meses para aprender a fazer uma cirurgia, três anos para saber quando fazê-la e 30 anos para saber quando não se deve fazer uma operação”. A frase é atribuída ao neurocirurgião britânico Henry Marsh. Mas, se assim é, porque é que um cirurgião só recebe se realizar a cirurgia?
É necessário adotar uma outra maneira de valorizar e remunerar o trabalho médico e as funções do SNS. Uma maneira que vá de encontro aos interesses e necessidades dos doentes, que promova a ação quando é para atuar e a vigilância quando essa é a atitude mais adequada, que promova a responsabilização e o “ownership” dos doentes, que valorize quem faz o diagnóstico, que premeie quem assuma a vigilância, a resolução das complicações e os cuidados de doenças crónicas incuráveis nos quais há muito a fazer pela reabilitação, pela funcionalidade ou pela qualidade de vida, mais do que pagar por um ato sem premiar quem fez o diagnóstico, sem garantir quem vai tomar conta do doente posteriormente ou, pior, sem promover a seleção dos doentes de acordo com a rendibilidade da patologia, da técnica ou da medicação.
Surge assim o Value-Based Healthcare (VBHC), os Cuidados de Saúde Baseados em Valor. Trata-se de uma abordagem proposta por Michael Porter e Elisabeth Teisberg no seu livro Redefining Healthcare, em 2006, que visa transformar os sistemas de saúde, deslocando o foco tradicional de volume de serviços prestados para a entrega de valor aos pacientes. O conceito de Valor, neste contexto, é definido como o resultado alcançado pelo paciente em relação ao custo do cuidado. Assim, o VBHC procura alinhar as necessidades dos doentes, dos médicos que se responsabilizam pelo seu tratamento e seguimento, das entidades financiadoras (independentemente do modelo de sistema de saúde), promovendo assim sistemas mais eficientes, sustentáveis e centrados no doente.
Com VBHC fica garantido que a remuneração vai de encontro às necessidades dos doentes por todo o ciclo de cuidados, desde o diagnóstico até ao seguimento, que cada decisão (um exame pedido, uma técnica ou cirurgia, uma medicação) é avaliada pelo resultado que produz, e que cada opção a nível estratégico é ponderada pelo valor que leva ao grupo de doentes a quem se destina. Até os fornecedores podem participar, com acordos de partilha de risco, nos quais se oferece aos doentes o melhor para eles, investindo onde esse ganho é maior. Também promove a ligação entre as várias etapas de cuidados, evitando fragmentação dos mesmos e vazios de competência.
A mudança estrutural do SNS em que estamos a participar neste ano de 2024 é uma oportunidade para mudarmos o paradigma da valorização e remuneração do trabalho médico e do sistema de saúde em geral. A mudança de um modelo baseado em pagamento de quantidades para um outro baseado em capitação (ainda que ajustada à utilização dos serviços) permite reorganizar os orçamentos das Unidades Locais de Saúde de acordo com este paradigma promovendo um ambiente onde os vários interesses estejam alinhados e possam assim prosperar. O financiamento por capitação exige que cada euro investido garanta a melhor utilização. Essa otimização deve ser demonstrada para cada doente. É esse objetivo que o VBHC se propõe atingir.
Para transformar a saúde, é essencial que todos os intervenientes reconheçam que o Valor para o paciente deve ser a medida final de sucesso. O VBHC não é apenas uma tendência, mas uma necessidade para um sistema de saúde mais eficiente e centrado no bem-estar, qualidade de vida, funcionalidade e reabilitação, afinal o objetivo de qualquer sistema de saúde.