A reunião anual do Fórum Económico Mundial (WEF) em Davos é um evento cheio de mitos e lendas, resultante do desconhecimento que o acesso restrito necessariamente cria. Não sabendo e não conhecendo, a especulação toma conta do imaginário das pessoas e alastram-se os rumores. O maior decorre da primeira frase que escrevo; Davos é apenas e só uma pequena localidade nas montanhas da Suíça, que acolhe anualmente uma série de eventos e turistas para ski ou montanhismo. O maior de todos os eventos é a reunião anual de ortopedia da AO Foundation, responsável por desenvolvimentos inovadores em ortopedia nas últimas décadas. Outro é a reunião anual do WEF, que celebrou este ano o quinquagésimo aniversário, uma reunião única porque agrega líderes políticos, económicos, académicos e sociais, ao contrário da maioria das cimeiras que segregam os vários agentes da sociedade. Ao agregar, o WEF permite um diálogo único e uma influência mútua que é condição necessária para que a mudança aconteça. É por esta razão que, há 50 anos, grande parte dos decisores mundiais decide investir uma semana do seu tempo a participar na reunião anual do WEF em Davos.
Este ano o tópico da reunião,“Stakeholders for a Cohesive and Sustainable World”, não poderia estar mais atual. Os 7 subtemas da reunião incluíram How to Save the Planet, Fairer Economies ou Healthy Futures, claramente marcam a agenda deste milénio e sobre os quais sem a ação conjunta da sociedade provavelmente não teremos um planeta habitável. Mas será que uma reunião anual poderá ter um impacto real no mundo? A maioria dos leitores achará certamente que sim, que nesta reunião se manipula negativamente o destino do planeta para privilégio apenas de alguns.
Eu, que claramente faço parte dos cidadãos privilegiados do mundo, tal como aliás a vasta maioria dos portugueses (esquecemo-nos que a pobreza moderada significa receber menos que 3 euros por dia, cerca de 1000 euros por ano), tenho tido o privilégio acrescido de nos últimos 6 anos estar em Davos pela reunião anual do WEF. Tenho assistido em primeira mão a debates, tenho participado em reuniões, tenho discutido temas que me são caros, mas acima de tudo tenho ouvido, aprendido e tentado influenciar outros. É isto que é a reunião do WEF. Um evento onde conseguimos não só ouvir, mas também ser ouvidos e fazê-lo tendo à nossa volta pessoas que de facto são capazes de influenciar as suas organizações, empresas, regiões ou países para que algo seja implementado. Ou seja, uma oportunidade única para que o que defendemos possa ser ouvido e eventualmente adotado.
Pequenos fait divers à parte, como a presença de Donald Trump ou Greta Thunberg, este ano em Davos discutiu-se a sustentabilidade do planeta. De facto, pode parecer apenas mais um evento com esse tópico, mas é o único onde não estão só decisores políticos como a COP25, mas também decisores económicos. A implementação de mudanças não se faz por decreto – pelo menos em democracia – aliás, se a sociedade quiser o decreto é totalmente desnecessário, cabe a cada agente tomar decisões e implementá-las. Por exemplo, o grupo americano BlackRock anunciou na semana antes de Davos, que se focará apenas em investimentos sustentáveis. Lembremo-nos que a BlackRock gere cerca de 7 triliões de doláres de ativos, quase 35 vezes o produto interno bruto Português. Esta decisão, que claramente resulta de influência e pressão social, não foi um decreto até porque o governo e congresso dos Estados Unidos da América continuam relutantes sobre este tópico.
É fundamental que nos congreguemos em tornos dos tópicos, que estabeleçamos relações de confiança entre as partes, e que influenciemos os agentes económicos e sociais a adotar a mudança. É fundamental que adotemos os princípios da reunião anual do WEF e os repitamos no nosso dia a dia. Não podemos agir isoladamente sobre os assuntos. Temos que ter de facto uma ação conjunta que permita que a mudança aconteça, independentemente do tema em questão. Mas temos de o fazer num clima de confiança e de segurança para que cada um possa expor as suas ideias e não de crispação ou da típica hostilidade política que parece ser sempre mais importante que o tema que se está a debater. E temos que ser consistentes, na ação, na vontade e na determinação.
Esta consistência também se devia fazer sentir na reunião anual do WEF em Davos. O ano passado houve um record de presença de Portugueses e empresas Portuguesas. Este ano houve um retrocesso sem a presença do governo. Pergunto-me: se quase todos os outros governos estão representados ao mais alto nível, como pode não estar uma pequena nação tão dependente das relações externas para crescer? Seremos nós mais inteligentes que todos os outros? Desde o tempo do Prof. Cavaco Silva como primeiro-ministro que Portugal não tem uma estratégia ou uma presença regular em Davos (excepção honrosa feita aos grupos Jerónimo Martins e Sonae). Isto choca-me! É imperativo que Portugal, os Portugueses, as empresas, ONGs, governantes e académicos estejam presentes em Davos para a reunião anual do WEF. Se não estivermos presentes, perdemos uma oportunidade única de influenciar e de aprender. Se não formos, somos apenas parte do grupo que quer estar de fora para poder criticar, do grupo dos que não quer fazer, dos que falam falam e não fazem nada. O nosso país e a nossa economia são pequenos demais para desperdiçarmos oportunidades. Não estar em Davos é não fazer parte, é não nos mostrarmos ao Mundo, é não atrair investimento para o país e ficar dependente de certo tipo de capital sobre o qual todos sabíamos tudo e agora ao que parece finalmente assumimos indignadamente o que já sabíamos, fingindo não o saber…
David Braga Malta é especializado na área das Ciências da Vida, com formação de base em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico, tendo passado pelo Imperial College of London durante o mestrado. Concluiu a formação avançada ao abrigo do programa MIT Portugal, tendo-se doutorado em 2012 após um período de investigação de quatro anos no laboratório da Prof.ª Sangeeta Bhatia no MIT. Fundou a startup Cell2B, com base nos resultados do seu trabalho de investigação, que visava o desenvolvimento de produtos de terapia avançada para o tratamento de doenças autoimunes. Atualmente é investidor, venture capital, especializado na área das Ciências da Vida no Fundo Vesalius Biocapital no Luxemburgo. Foi também consultor da Caixa Capital para a área das ciências da vida. Foi um dos primeiros Global Shapers a integrar o Global Shapers Lisbon Hub quando foi constituído em 2013. Liderou o grupo entre 2015 e 2016, é actualmente alumni.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.