Todos nós já acordámos um dia com uma ideia brilhante, um pensamento tão simples, tão elegante, que nos motiva, nos estimula, nos empolga. Às vezes construímos um belo castelo no nosso pensamento, convencemo-nos de que vamos mudar o mundo… até partilharmos a nossa ideia com alguém experiente na área em questão. Depressa nos apercebemos que o nosso castelo era de areia, que na realidade estávamos a “reinventar a roda”, aquela ideia já tinha sido inventada, ou já se tinha demonstrado que era inviável ou impossível. Dunning e Kruger descreveram este efeito em 1999 (um sumário jornalístico aqui), pessoas incompetentes ou ignorantes numa determinada área são incapazes de reconhecer a sua própria ignorância. Isto permite-lhes demonstrar um nível de confiança na matéria que é totalmente falso e não tem qualquer base de experiência. Surpreendentemente, demonstram um nível de confiança equivalente ao dos especialistas e são capazes até de desafiar os especialistas na área.

O Efeito de Dunning-Kruger tem sido amplamente explorado pelos movimentos populistas para manipular as massas de votantes, confirmando as percepções erradas que têm e guiando a sociedade para decisões que não têm qualquer fundamento de realidade ou verdade. Como conseguimos combater ou minorar este efeito? Com educação claro, educação no sentido lato, formação, conhecimento, ciência, raciocínio, civilidade… Sem surpresa, o valor da própria educação também tem sido colocado em causa. Muito se debate como a educação está a manipular as massas, como limita a criatividade, como formata de forma igual as sociedades. Bom, eu sou dos que defende a educação acerrimamente, reconhecendo que pode melhorar, a educação é a maior ferramenta de promoção de igualdade social e de evolução da humanidade:

Só podemos inovar se conhecermos o estado da arte. Muito se diz sobre a educação limitar a criatividade, se assim fosse o conceito de doutoramento não faria sentido. Um doutoramento é por definição a descoberta de algo novo. Descobrir algo novo é, se não mais, inovar na sua acepção mais pura. Ora, se isto é verdade, para que precisam os doutorandos de estudar antes? Por que não começamos todos a nossa educação no doutoramento? Bom, exatamente para não nos doutorarmos todos na roda. A roda já foi inventada, mas para o reconhecermos temos que ter sido expostos à sua existência, para isso temos que aprender. A educação não limita a criatividade, na realidade a educação é a base da criatividade.

Só conhecemos o estado da arte se o aprendermos. O conhecimento do conhecimento (utilizando o pleonasmo propositadamente) é a base para conseguirmos raciocinar sobre qualquer matéria. Muito poucas áreas são virgens nos dias de hoje. Em quase todos os sectores a humanidade já produziu conhecimento, já evoluiu, e para nós podermos inovar, temos primeiro que saber o que já foi feito. Para isso temos que estudar, temos que aprender com os que são mais experientes na área.

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Só aprendemos se nos for facultado o acesso a fontes de conhecimento credíveis. Por muito que o modelo possa ser melhorado, o sistema de ensino que temos, desenhado para as massas e assim para os cidadãos médios, é a melhor maneira de educação da maioria das pessoas de um país. Claro que para os que estão acima ou abaixo da média, definida pela normal, o sistema mostra falhas porque não é capaz de ter a flexibilidade que é condicionada pelo modelo massificado. Não obstante, este sistema tem sido o maior promotor de igualdade e ascensão social no mundo ocidental. A escola e as universidades são pilares fundamentais do estado de direito, para mim aliás poderiam ser considerados um dos pilares do estado de direito (mas, cá está, no que respeita a modelos de organização do estado e constitucionalismo só um perfeito ignorante, um que não reconhece a sua ignorância e fala com a confiança de quem sabe).

A educação permite-nos reconhecer os nossos limites, permite-nos conhecer a nossa ignorância. Este é um enorme privilégio que a sociedade nos dá, que em Portugal nos oferece sem que tenhamos feito alguma coisa para o merecer. É um privilégio que não podemos descartar só porque o sistema é imperfeito. É um privilégio que nos permite evoluir enquanto sociedade e estarmos protegidos de populismos e derivas de ignorância, como aconteceu por exemplo na idade média. Em vez de questionarmos o valor da educação, devemos aproveitar o enorme privilégio que temos. Aliás devemos mesmo evoluir para um modelo de educação contínua, em que a cada 5/7 anos todos conseguimos ter um período sabático para nos atualizarmos, para reconhecermos os novos limites da nossa ignorância e para tomarmos decisões conscientes da nossa própria ignorância.

David Braga Malta é especializado na área das Ciências da Vida, com formação de base em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico, tendo passado pelo Imperial College of London durante o mestrado. Concluiu a formação avançada ao abrigo do programa MIT Portugal, tendo-se doutorado em 2012. Fundou a startup Cell2B, que visava o desenvolvimento de produtos de terapia avançada para o tratamento de doenças autoimunes. É investidor de capital de risco especializado em Ciências da Vida no Fundo Vesalius Biocapital no Luxemburgo. Foi um dos primeiros a integrar o Global Shapers Lisbon Hub quando foi constituído em 2013, grupo que liderou entre 2015 e 2016.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.