Francisco Assis ensinou aqui que o PS está “ideologicamente” mais próximo do PSD e do CDS do que do PCP e do BE. Parece que alguns dos seus correligionários acharam que, sendo esse o caso, o PS se devia afastar, pois o CDS e o PSD são partidos de direita, enquanto o PS é um partido de esquerda, como o PCP e o BE. Ora, não é a “ideologia” que define a posição do PS em relação aos outros partidos.

A democracia em Portugal só foi possível porque, ao longo de 40 anos, várias gerações de líderes políticos conseguiram orientar a maior parte da chamada esquerda e da chamada direita para aceitarem, como termo de referência, um regime de tipo europeu ocidental. À direita, fizeram isso o PSD e o CDS; à esquerda, o PS. Por isso mesmo, PSD, CDS e PS encontraram-se muitas vezes do mesmo lado: por exemplo, na resistência ao PREC em 1975, nos ajustamentos assistidos pelo FMI em 1978 e em 1983, na eliminação da tutela militar em 1982, ou na adesão à CEE em 1986 e à moeda única europeia em 1992.

Nada disto quer dizer que PSD, CDS e PS sejam “iguais”, nem pressupõe que estejam “ideologicamente próximos”. Apenas que entenderam dever realizar os seus vários fins através dos mesmos meios: os da democracia europeia ocidental. Separaram-se assim dos que, à direita ou à esquerda, recusam este tipo de regime, como o PCP e o BE. E é por isso que o PS está mais próximo do PSD e do CDS. Antes de serem partidos de direita e de esquerda, o PSD, o CDS e o PS são partidos deste regime, desta democracia.

Os últimos anos criaram alguma confusão a este respeito. O ajustamento, graças à ajuda europeia, não chegou para dissipar a chicana política, e, pelo contrário, fez redobrar o zelo da diferenciação. O PS pediu assistência financeira internacional em 2011, mas logo lavou daí as mãos e passou a arguir o PSD e o CDS de “neo-liberalismo” e germanofilia. O PSD e o CDS, em troca, denunciaram a “radicalização” irresponsável do PS. Todos abusaram do quixotismo: o PS arvorou-se defensor de um Estado social que ninguém atacava, e o governo declarou-se campeão de um reformismo que não praticou.

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Mas há outra razão, mais grave. É que ao PS nunca bastou ser apenas mais um partido do regime. Desde 1976, que aspira a ser o partido natural de governo. E a maneira como se tentou impor lembra o antigo Partido Progressista de José Luciano de Castro, que só era monárquico quando estava no governo, e passava a republicano na oposição. O PS é parecido. Sempre que derrubado do pedestal de São Bento, entra em crise de esquerdismo intransigente. O PS sabe muito bem que jamais poderá governar com quem exige a saída do euro e tem a Coreia do Norte ou a Venezuela chavista como modelos. Mas o esquerdismo, dadas as origens do regime, dá-lhe jeito para cercar e intimidar a direita governamental com o auxílio do PCP e das extremas-esquerdas. Não é uma questão de ideologia. É uma questão de poder.

O PS não tem os sindicatos das sociais democracias nórdicas. Depende do Estado. Percebe-se, por isso, o seu desespero para regressar aos ministérios. Mas os socialistas não deviam correr o risco de convencer a direita de que só o PS tem o direito de governar, como o Partido Republicano na I República. Nos últimos vinte anos, o PSD e o CDS acederam ao governo apenas na sequência de desastres financeiros socialistas, em 2002 e em 2011, e para mandatos que o PS fez logo questão de definir como de simples faxina, limitados no alcance e no tempo. Assim que as contas parecem um pouco mais certas, eis o PS a exibir com impaciência o seu bilhete de volta.

É esta atitude que convinha ao PS discutir. É que o regime precisa do PS, mas o PS também precisa do regime.