Segundo noticias recentes, a defesa de Ricardo Salgado terá requerido uma perícia médica neurológica ao arguido, uma vez que este apresentará um quadro clínico de síndrome demencial, nomeadamente a doença de Alzheimer.
Esta iniciativa processual da defesa do banqueiro é legitima, está prevista na lei e terá sempre de ser confirmada em perícia forense, por médicos designados pelo tribunal, cuja independência se encontre claramente assegurada.
A perícia forense indica o estado clínico do arguido. Mas não são os médicos que decidem se o arguido pode ou não ser julgado pelos crimes que vem acusado. Isso caberá ao tribunal, face às conclusões que tirar do conteúdo da perícia.
Estas situações, que são mais correntes que a opinião pública percepciona, fazem parte do quotidiano da actividade judicial e só têm relevância noticiosa por estar envolvida a pessoa em causa e a dimensão do caso BES.
Do que no final resultar desta previsível discussão argumentativa em tribunal, resultará uma das seguintes opções: o arguido é julgado e tudo decorre como o seria perante qualquer arguido imputável; o arguido é julgado, mas a sua presença em tribunal é dispensada; o arguido pode ver a pena atenuada e se for condenado em alguma pena privativa da liberdade, poderá cumpri-la no domicílio. Em último caso, conforme a gravidade da situação – tudo depende da perícia e da avaliação do tribunal – o arguido até pode nem ser julgado, se for entendido que estaria sem capacidade para compreender o que lhe está a acontecer.
Com problemas de demência ou não, a verdade é que a generalidade da opinião pública, já há muito entendeu que pelo decurso normal do processo judicial – acusação, pronúncia; recursos; audiência de julgamento; sentença; recursos para dois tribunais superiores e ainda para o Constitucional, qualquer que seja o resultado em termos penais, Ricardo Salgado, tal como Berardo ou Vieira, se condenados e pela idade que terão nesse momento, nunca serão sujeitos a qualquer cumprimento de pena efectiva, sendo de facto, a penalidade que os afectou, as maçadas – financeiras e de imagem – causadas pela existência do processo e o afastamento da gestão das instituições que dirigiam. Claro, que falecendo no entretanto algum dos arguidos, extingue-se o processo penal.
Sendo, portanto, a punição efectiva meramente teórica, fica por avaliar a razão pela qual na criminalidade económica e financeira, acompanhada ou não de outros imputados crimes, como a corrupção, o branqueamento de capitais e a fraude fiscal, só chega à fase de acusação quando os alegados autores dos crimes já são idosos. Algo como “Este país não é para velhos”, parafraseando o título do filme de 2007 dos irmãos Cohen.
Diferentemente de outros crimes, que são visíveis por natureza, a investigação de imputados crimes económicos e financeiros depende em larguíssima medida de denúncias ou de actos públicos indicativos. Não é possível materialmente, e até seria de muito questionável legalidade, o Ministério Público investigar cidadãos contra os quais não existem quaisquer indícios de violarem a lei. Isso até seria assédio.
Assim sendo, ou os alegados crimes cometidos por estes arguidos, aqui referidos a título de exemplo, resultam de algum talento tardio para o crime, tendo a sua vida profissional enquanto mais novos, pautado pela exemplaridade e por isso nunca foram objecto de denúncias ou de fundada suspeita ou, hipótese mais credível, o Ministério Púbico só se terá interessado realmente pelos actos praticados por esta específica gente, no mandato de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral.
Sendo públicas já no século XX fundadas dúvidas sobre a regularidade da vida profissional e financeira destes cavalheiros, não é credível que não tenham surgido queixas, denúncias ou motivos para o Ministério Público abrir inquérito. Isso foi feito? Quais os resultados? Afinal eram todos bons rapazes? Nunca o saberemos com toda a certeza.
Sendo a segunda hipótese – falta de vontade anterior a Joana Marques Vidal de investigar – a que se afigura mais verosímil -, esta criminalidade se provada em tribunal ficará impune, seja pelas possíveis prescrições de crimes, como já se viu no processo Marquês, ou agora pela eventual demência dos acusados, pois se a Justiça reivindica o seu tempo, a natureza reclama que o tempo de saúde e de vida das pessoas também é o que é. E com a demência se esfuma a inclemência.
Quem estiver por cá em 2030, provavelmente lembrar-se-á de Armando Vara, que teve o azar de ser novo.