Basta olhar para os números para perceber a gravidade da crise demográfica na Europa, uma crise que vem de longe e que já deu origem a sérias advertências: desde os livros do historiador Pierre Chaunu, nos anos 80, até romances distópicos, como Le Camp des Saints, de Jean Raspail, escritor e aventureiro francês.
Mas já lá vai quase meio século sobre os livros de Chaunu e o romance de Raspail e nada parece ter sido feito para estancar, tentar estancar ou, pelo menos, tratar de não encorajar a tendência de decréscimo de reprodução das gerações na Europa.
Em 1900 – há 120 anos – um em cada quatro habitantes do planeta era europeu e vivia na Europa. Os europeus eram então cerca de 430 milhões, incluindo os mais de cem milhões do Império Russo. No mundo, haveria então uns 1600 milhões de seres, quase todos directa ou indirectamente dependentes da Europa e dos Estados europeus.
Hoje, com uma população mundial de quase 8 mil milhões, só um em cada dez habitantes do globo vive nos limites geográficos do Continente Europeu. Desses 750 milhões que vivem na Europa, 450 milhões residem nos 27 países da União Europeia; e desses 450 milhões, 25 milhões (5%) não são cidadãos europeus. Em 2019, o fluxo migratório de extracomunitários foi de 2.700 000 e só foi dada cidadania a pouco mais de 700 mil. Segundo a agência europeia Frontex, entre Janeiro e Outubro desse ano de 2019, entraram na Europa cerca de 125 mil clandestinos.
As projecções demográficas são assustadoras: para as Nações Unidas, em 2100, os habitantes da União Europeia vão ser 365 milhões, menos 85 milhões do que hoje; mas a revista médico-científica americana The Lancet vai mais longe, prevendo uns meros 308 milhões de europeus. Por essa altura, a população mundial deverá ser de 8,8 mil milhões, depois de ter, em 2064, atingido um máximo de 9,7 mil milhões.
Perante estes números de futuríveis e de inevitáveis, há que não esquecer um famoso comentário de Margareth Thatcher (lembrado, ainda há dias, por John O’Sullivan, antigo speechwriter da Dama de Ferro):
“The unexpected always happens… The inevitable, never.”
Relembro-o porque costuma ir nesse sentido a minha habitual reacção a profecias quantitativas muito precisas, talvez devido a uma longa experiência de profecias não acontecidas. E profecias das melhores proveniências – Nações Unidas e suas Agências, grandes Bancos, reputados serviços de Inteligência, gurus e mentes brilhantes de toda a espécie. A grande maioria dos estudos prospectivos sobre o ano 2000, por exemplo, dava a URSS de pedra e cal.
Mas ainda que o inesperado possa vir a surpreender-nos, parece haver aqui alguns inevitáveis. As causas da decadência demográfica são variadíssimas: um maior individualismo e egoísmo geracional, a absoluta desvalorização do trabalho informal, doméstico e assistencial (a que não é atribuído qualquer valor económico) e a hipervalorização do trabalho fora de casa, a subida dos custos de criação e educação das crianças, a facilitação de contraceptivos, a liberalização do aborto. E, culturalmente, a passagem da família-modelo de três filhos para dois ou um, e mais recentemente, a passagem da família-modelo para outros modelos de família.
Assim, o número de nascimentos no espaço da União Europeia, que em 1964 foi de cerca de 6. 800.000, em 2019, passou a ser de 4.167.000. O declínio vem acontecendo, inexoravelmente, no último meio século e a taxa de natalidade na União Europeia é hoje de 1,53 por mulher, sendo que o crescimento populacional requer, pelo menos, 2,1.
Decadência e resistência
Estas taxas de natalidade podem variar (França, com 1,86 nascimentos por mulher, está na dianteira, e Malta, com 1,14, na retaguarda) mas a média ponderada vai sempre baixando. E, em França, o relativo excesso reprodutivo deve-se claramente às famílias de imigrantes muçulmanos.
E, no entanto, a questão demográfica, que é sempre vital, não parece preocupar uma Europa concentrada no direito à morte assistida, no direito ao corpo e no direito à escolha num cardápio de géneros em constante actualização.
Talvez por isso, e encarnando uma cultura de resistência, o vilipendiado governo de Viktor Orban tenha vindo a organizar na capital húngara, desde 2015, conferências para debater os riscos da decadência populacional e as formas de a combater ou de a não agravar.
Numa linha consciente e lúcida, Orban tem procurado fazer do seu país um centro de resistência política e cultural à nova vaga do wokismo, reunindo à sua volta uma série de dirigentes e de intelectuais europeus. É interessante que seja hoje esta área da OstEuropa a afirmar-se como linha da frente dos valores cristãos e ocidentais – o que ficará a dever-se, também, ao facto de o regime comunista imposto pelos soviéticos ter ali congelado algumas mudanças libertárias nos costumes e de a família se ter estabelecido e consolidado como bastião de afectos e confiança, numa sociedade policial de suspeita e denúncia.
“As famílias, que são a base das nossas sociedades, estão debaixo do fogo das forças ocidentais liberais, mas não nos vamos render” – começou o Primeiro-ministro húngaro no seu discurso de abertura da Conferência de Budapeste sobre Demografia, que contou com um grupo significativo de dirigentes políticos da região e com o ex-Vice-presidente americano, Mike Pence.
Pence pegou na deixa e falou na “erosão da família nuclear” como um dos mais duros golpes dados à civilização. Uma erosão ou uma crise marcada pela “diminuição de casamentos, pela subida de divórcios, pela banalização do aborto e pela queda da natalidade”.
E poderão as políticas dos governos de Budapeste e Varsóvia inverter esta tendência? Pence pensa que sim. Para o antigo Vice-Presidente norte-americano a razão da resistência ao experimentalismo utópico, nestes e noutros países da Europa Central, deve-se a uma longa e dura experiência prática de utopia, como a levada a cabo pelo comunismo nos 45 anos, entre 1945 e 1990, em que dominou a região.
Assim, a experiência de “socialismo real” da Europa Oriental parece funcionar como uma poderosa vacina contra novos e delirantes ideais, direitos e mandamentos, impostos, quer por via do monopólio do poder político estatal e partidário, quer por outras vias, aparentemente mais diáfanas e modernas, mas igualmente implacáveis. Ideais, direitos e mandamentos que nos chegam hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, através dos processos gramscianos do marxismo cultural, por pressão legislativa e diabolização da dissidência.
Democracia é demografia
Perante a questão demográfica – e é bom não esquecer que democracia é demografia, uma vez que, pelo menos legal e teoricamente, não são as elites mas os grandes números, o povo comum, “quem mais ordena” – a solução fácil foi a importação de pessoas.
Os excedentes populacionais do outrora Terceiro Mundo migraram e migram agora para a Europa e aqui ocupam um deficitário mercado de trabalho, constituindo um inesgotável exército de reserva industrial.
Assim, sem filhos, as novas gerações de europeus recorrem aos imigrantes. Não foi bem o que aconteceu na América quando, nos 100 anos que vão do fim das guerras napoleónicas ao fim da Grande Guerra, recebeu mais de 80 milhões de europeus. Com espaço de sobra e uma língua comum, com um ideal vitalista, capitalista e agregador, a América foi integrando os seus imigrantes, que eram, na maioria, cristãos e caucasianos. Não é o que acontece hoje nos pequenos espaços da União Europeia, com largos sectores da imigração, sobretudo a que vem das áreas islâmicas, a preferir o gueto da “inclusão” e da “diferença” à desactualizada e chauvinista “integração”.
À importação de imigrantes, Orban e a Hungria propõem-se responder com políticas de apoio à família e de incentivo à natalidade. E têm vindo a fazê-lo com bons resultados: quando 200 mil novas famílias húngaras receberam benefícios fiscais, as famílias mais prolíferas viram descer os seus impostos e as mães trabalhadoras com quatro ou mais filhos ficaram isentas de contribuições fiscais para o resto da vida, houve um aumento dos nascimentos e casamentos e um decréscimo do número de abortos.
A Conferência de Budapeste veio repor na agenda política europeia uma das escolhas mais decisivas que hoje se põem ao continente e ao mundo. Era bom que em Portugal estas grandes escolhas também entrassem na Agenda.