Embora pareça difícil de acreditar, haverá um momento em que poderemos largar as máscaras e retomar a vida que tínhamos no início deste ano. Só que não estará tudo igual. Sairemos desta crise ainda mais pobres, mais dependentes, mais endividados do que a maioria dos países da UE, e destinados a sermos ultrapassados por todos.
A pandemia serve de desculpa para tudo, mas sobretudo, por entre os pingos da chuva, passam os erros da governação que nos vão custar caro no futuro.
Desde logo, nas negociações para o Orçamento, o Governo terá acordado suspender por dois anos a caducidade dos contratos coletivos de trabalho que não tenham prevista uma renovação ou substituição e terá acedido também a impor limites aos despedimentos, por via dos apoios fiscais às empresas. Mais do que as medidas em si, o que isto significa é que futuras aprovações de orçamentos à esquerda estarão sempre ligadas ao desmantelar das reformas que o anterior Governo PSD/CDS conseguiu fazer, em particular no mercado de trabalho. E a primeira consequência destas medidas aparentemente bondosas é que entrar no mercado de trabalho em Portugal continuará a ser um pesadelo para muitos jovens, especialmente os menos qualificados.
Na contratação pública, a pretexto da emergência económica e da desburocratização, o Governo propõe introduzir medidas permanentes que tornam o sistema menos transparente, mais sujeito a clientelismo e a corrupção. Este é apenas um exemplo dos problemas de governação que explicam porque é que Portugal está entre os que mais sofreram com a crise. Serão estes problemas também que tornarão a recuperação mais lenta.
Por fim, já se percebeu que o pacote de resgate da UE não será direcionado para o setor privado, mas servirá fundamentalmente para colmatar as deficiências de investimento do Governo desde 2016. O grosso das subvenções a fundo perdido será dedicado a investimentos na saúde e na educação, que são de facto desesperadamente necessários depois de anos de sub-investimento. O Governo aparentemente irá também usar parte dos fundos para financiar um novo modelo de pré-reforma na Administração pública, para a “renovar”, que serve também para aumentar a sua base de apoio.
Os governantes socialistas seguramente regozijam-se da sua esperteza, porque tendo dilapidado o investimento para satisfazer alguns grupos, podem agora usar os fundos europeus para o repor. Só que no longo prazo é um plano furado para o país. Sem crescimento sustentado não poderemos manter a cadência de investimento público mínimo necessário. E as deficiências de governação, de transparência de flexibilidade nos mercados continuarão a impedir a convergência económica com o resto da UE.
A cada ano que passa recuamos nas reformas, previsivelmente até chegar ao ponto de 2010, em que foi preciso um resgate internacional para evitarmos uma hecatombe. Depois da primeira resposta urgente à pandemia, o país será confrontado de novo com esta dicotomia, entre satisfazer as necessidades de curto prazo de alguns grupos preferidos do Governo ou criar oportunidades de crescimento e desenvolvimento para todos. Não há dúvidas sobre o que o Governo de António Costa escolherá.