Com a corrida às legislativas a entrar na sua fase decisiva, estamos já acostumados a uma verdadeira “corrida ao armamento”, ou retirando a metáfora, a adoções de estratégias que visam alcançar o voto dos eleitores, sendo algumas delas questionáveis. Num momento em que os debates terminaram e que a estratégia do frente a frente, e com isto quero dizer a estratégia de retirar de forma direta votos a um adversário direto, sai de cena, há um verdadeiro moldar estratégico dos diversos partidos e candidatos na corrida a São Bento.
Dos diversos estilos de apelar ao voto, ou de campanha, há um em particular que penso ser perigoso e nocivo para um sistema democrático representativo como o nosso. O apelo ao “voto útil”. E porque digo que é nocivo à democracia representativa? Bem, em primeiro lugar será necessário explicar a estratégia em si. O chamado “voto útil” tem sido usado em variadas situações de eleição, e se nos focarmos nas presentes legislativas conseguimos compreender o padrão do mesmo. Os verdadeiros abusadores desta estratégia são quase exclusivamente PS e PSD, numa tentativa geralmente de atingir maiorias absolutas ou de chegar ao poder “secando” os partidos que não têm margem de chegar à vitória eleitoral.
Uma das maiores falácias do “voto útil” foi utilizada muito recentemente por Rui Rio que, numa tentativa clara de desviar eleitorado dos restantes partidos à sua direita, disse que só existiam dois votos possíveis para o futuro do país, Rio ou Costa. Esta premissa parte de um pressuposto errado, uma vez que numa democracia representativa o voto de cada eleitor não é para eleger diretamente o líder do governo mas sim para eleger representantes, deputados. O mesmo sucede com António Costa que, debate após debate, entrevista após entrevista, reforça a ideia de querer uma maioria absoluta (sem nunca o afirmar diretamente), apelando à estabilidade e utilizando um fantasma de caos e desordem para persuadir o eleitorado a entregar-lhe uma carta branca de governação, mesmo com o passado de maiorias absolutas do PS remeter o povo para o desastre da era Sócrates, da qual António Costa foi parte ativa.
A melhor maneira de desmistificar esse conceito é sem dúvida a informação, no sentido de explicar aos eleitores o verdadeiro objetivo e finalidade do seu voto nas legislativas como sendo a eleição dos seus representantes e não a eleição de um primeiro ministro, sendo relevante transmitir que votar em outras forças políticas leva em muitos casos à constituição de governos multipartidários, nos quais o partido mais votado é influenciado por várias ideias que impedem o uso de um poder quase absoluto por parte do partido mais votado.
Naturalmente que, para o ponto acima apresentado a ação dos media deve orientar o caminho nesse sentido, e não promover um frente a frente estilo americano. Infelizmente para a própria essência do sistema representativo, os órgãos de comunicação social fazem o oposto, promovendo debates entre os líderes dos dois principais partidos em canal aberto, com mais tempo que os demais debates, e com cobertura televisiva de um dia inteiro, fazendo lembrar um Biden vs Trump nos Estados Unidos. Esta abordagem dos media funciona como motor para a bipolarização do sistema político, e em nada contribui para um exercício do direito de voto livre de pressões de quem deveria priorizar a isenção.
Seguindo este raciocínio, o próprio “circo” que se vai montando em torno das legislativas parece ter apenas um objetivo, eleger um primeiro-ministro com uma aprovação absoluta, tentando ao máximo afastar os restantes partidos da cena governativa, e por consequência tentar que o desejo dos eleitores se resuma, atual e futuramente, a dois partidos, afastando desde já ao máximo o voto nas variadas ofertas políticas e de ideias existentes.
É por isso fulcral desmistificar. É necessário um esforço de todos para mostrar aos eleitores que no momento do exercício do voto estamos a votar em quem queremos que nos represente e não apenas num primeiro-ministro. Aliás a maior resposta que podemos dar a dois homens que, sendo muito semelhantes em ideias, querem o monopólio governativo ao centro (sendo sincero, ao centro-esquerda), é mesmo votar à direita mostrando um claro esforço de trazer para a direita o poder de decisão e de influência governativa.
Não existe um voto útil, existe sim a utilidade do voto que essa sim está ligada ao verdadeiro sentido democrático do eleitor escolher quem o representa naquela que é a casa da democracia.