É hábito do actual Governo repetir que «devagar se vai ao longe»! Será assim? É certo que o actual coordenador do processo de vacinação lhe imprimiu um ritmo muito mais célere do que o anterior. Dito isso, o ritmo ainda é lento, continuando Portugal cinco décimas atrás da média europeia, a qual, já de si, é bastante baixa, respectivamente 6,4% e 6,9% da população, ou seja, muito longe dos 70% exigidos a fim de assegurar imunidade à população de cada país.
Entretanto, a Direcção-Geral de Saúde decidiu-se a divulgar ao grande público os dados da vacinação. Felizmente que o processo não parou, mas continua marcado pela irregularidade e, pior que isso, por saltitar de grupo em grupo conforme as pressões da última hora, como sucedeu no fim-de-semana passado, em que foi dada prioridade aos professores do primário e do secundário enquanto os professores universitários ameaçam não dar aulas presenciais enquanto não forem também vacinados.
A confirmar o passo de caracol que tem presidido até aqui ao processo, só no domingo do fim-de-semana passado se atingiu ocasionalmente mais de 100 mil vacinas, mas dois dias depois o ritmo abrandou logo. Um dos motivos que tem atrasado o processo de vacinação é raramente mencionado: trata-se do elevado número de pessoas que não responde à convocatória. Ora, isso aponta, simultaneamente, para registos não confiáveis e para a retracção de muitas pessoas perante a vacinação, o que tem tendência para aumentar com a idade e a baixa instrução, que caracterizam, lamentavelmente, uma boa parte da população, para não falar da estupidez dos que são contra todas as vacinas.
Ainda mais grave do que isso, é a falta de profissionais de saúde anunciada mais uma vez pelos media , a qual tem sido denunciada desde o início da pandemia, mostrando a fragilidade crescente do sistema público de saúde. Apesar da forma exemplar como os profissionais de saúde responderam aos «picos» da pandemia, tornou-se evidente que tal resposta só foi possível devido ao encerramento de milhares de consultas e cirurgias que ficaram por fazer. Ora, as causas da «falta de pessoal» são conhecidas, mas os governos não as atacam há anos: o numerus clausus nos cursos de Medicina; os salários comparativamente baixos para o grau de especialização; a «fuga» para o sector privado; e finalmente, o envelhecimento, a reforma e a emigração de profissionais!
Com efeito, entre os óbitos que resultaram da falta de atendimento e os que a DGS reconheceu como causados pela Covid-19, ocorreu no ano passado um enorme «excesso de mortalidade», que se arrisca a continuar se a vacina não vier a tempo. Até aqui, isso tem sido camuflado pela DGS, a qual só atribuiu à Codid-19 metade do «excesso» verificado, como se as outras mortes não fossem da órbita do SNS! Às múltiplas causas de morte do ano passado, veio, aliás, acrescentar-se a quebra da natalidade, daí resultando, em 2020, a mais acentuada diminuição da população.
Segundo o último relatório da DGS sobre o processo de vacinação, haviam sido vacinadas 2 milhões de pessoas, mas só um terço (700 mil) recebeu as duas doses. Sem estas, não há imunização. Ora, estamos a falar de 7% da população apenas, quando é preciso vacinar 70% a fim de atingir a imunidade de grupo. Na última semana, com o processo da vacinação finalmente a rolar, foram vacinadas, em média, 60 mil pessoas por dia. Tendo em conta que já há 1,3 milhões de pessoas semi-vacinadas, faltam aplicar 10 milhões de vacinas para concluir o processo. À média actual de 60 mil por dia, seriam precisos mais de 160 dias, isto é, cinco meses e picos… Nunca antes do fim de Setembro. Dependendo da evolução da pandemia e considerando que cem mil vacinas por dia é a média máxima que se pode esperar, a imunização de grupo seria atingida em cem dias, lá para fins de Junho… Seria excelente, mas é duvidoso que seja conseguido… É este o panorama!
Ora, num país onde o Governo fizesse menos propaganda e se preocupasse mais com o que se passa ao nível demográfico – neste caso, as crianças por nascer, os óbitos a aumentar, o envelhecimento da população, a questão das reformas e os problemas de saúde e solidão dos mais idosos –, é altura de pensar no futuro que espera o país. Todos os milhões prometidos pela UE não chegam para lidar com estas questões cruciais. Além da reforma urgente do ensino, emprego e remunerações dos profissionais de saúde, o mínimo é pensar no número crescente de pessoas que irão reformar-se em breve, como serão calculadas e pagas as reformas que lhes são devidas e como serão melhorados os cuidados que terão de lhes ser fornecidos e não o foram desta vez.