A quem servirá, na atual conjuntura, a dissolução da Assembleia da República e a consequente convocação de eleições antecipadas? A quem aproveita o ruído e a vozearia em torno do tema? Dissolve não dissolve, nestes termos ou noutros, dissolve agora, dissolve após as europeias ou não dissolve de todo? Insistir e persistir em manter o assunto na agenda político-mediática, para quê e por que razão? Aos portugueses, trabalhadores, empresários e investidores, às instituições que procuram um horizonte político e social de previsibilidade para que possam tomar decisões quanto ao futuro, não interessará com certeza. Diante de uma crise financeira e social grave, onde a escalada dos preços e o aumento generalizado do custo de vida domina e condiciona a vida de todos os que vivem do seu trabalho, acrescentar-lhe uma crise política seria – para não dizer mais – irresponsável.

O atual governo, em resultado de uma votação robusta que lhe valeu uma maioria absoluta, está em funções há pouco mais de um ano. Período indubitavelmente conturbado, marcado por desacertos, por sinais de incompetência e de alguma impreparação de membros do executivo e até de pouco rigor na gestão da res publica, como se vem demonstrando no dossier TAP. Ainda assim, o governo não perdeu as condições políticas de suporte parlamentar para implementar a sua agenda de políticas públicas e promover as reformas que contribuam para o crescimento e desenvolvimento do país. Pode discutir-se a oportunidade de António Costa acertar a rota de governação, de reestruturar o governo e até de refrescar alguns dos seus membros. Cenário diferente é invocar a perda de legitimidade política para o fazer. Nada de mais errado.

Ponderar, conjeturar, considerar a dissolução do parlamento – uma espécie de bomba atómica constitucional – só em circunstâncias extremas e impeditivas do regular funcionamento das instituições, o que, ao dia de hoje, não é manifestamente o caso.

A competência para dissolver a Assembleia da República não é um poder absoluto atribuído ao Presidente nem pode ser usado na decorrência da vontade particular deste. Há balizas constitucionais que devem ser atendidas e ponderadas e o assunto não deve ser banalizado no jogo político-partidário. Acresce que o exercício desta prerrogativa não deverá ser feito desconsiderando o sentimento generalizado da população portuguesa.

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Num estudo recentemente promovido pelo CESOP da Católica para a RTP/Antena1, ainda que 53% dos inquiridos tenham qualificado o desempenho do governo como mau ou muito mau, destacam-se os 70% que consideram que o executivo deverá manter-se em funções até ao final da legislatura.

Por outro lado, o maior partido da oposição, ainda algo distante de assumir uma posição liderante nas sondagens, prossegue o trajeto de consolidação de forma a apresentar-se como uma alternativa de governo aos olhos dos eleitores. Aponta-se-lhe a necessidade de apresentação de uma base programática, com propostas concretas, que estimule a mobilização do eleitorado de centro, do centro-esquerda moderado ao centro-direita, universo eleitoral de descontentes com a governação e fundamental para garantir que a alternativa liderada pelo PSD reúne as condições necessárias para almejar uma votação suficientemente clara e expressiva nas urnas.

O ruído permanente que se vem registando nas últimas semanas não ajuda. Alimentar constantemente cenários de dissolução contribui para o clima de instabilidade e impede que o governo, a oposição e os agentes económicos cumpram o seu papel e se concentrem no essencial: estabilidade das políticas públicas, atração de investimento e foco no crescimento da economia.

Na atual conjuntura, essencial é manter o foco de exigência sobre António Costa, exigindo-lhe que reganhe a confiança dos portugueses. Remodelar o governo de alto a baixo, expurgar os “ativos tóxicos” que continuam a minar a imagem e a credibilidade do executivo e esperar um sinal de confiança e de vitalidade para futuro. Sem isto, o atual primeiro-ministro pode correr o risco de, aí sim, ver perpassar na sociedade portuguesa o sentimento de que esta é uma legislatura desperdiçada.

Ricardo Gonçalves Cerqueira

Jurista e gestor