Muita coisa importante está acontecendo no mundo agora. No Brasil, então, nem se fale. Mas hoje me reservo o direito de falar sobre um assunto que pode até ser visto como irrelevante, fútil ou dispensável. Todavia, não é assim que eu enxergo a questão, uma vez que o pano de fundo – separação, divórcio, traição, dor e raiva – faz parte da vida da maioria de nós.

Hoje o assunto é a música nova da Shakira, parte de um álbum lançado alguns meses depois de sua separação do jogador de futebol Gerard Piqué, com quem teve dois filhos. A música e seu clipe vêm atingindo picos de audiência ao redor do mundo e as polêmicas sobre a letra já não se limitam mais aos sites e programas de fofocas, ganhando espaço também no mundo do esporte, da publicidade, dos debates de gênero e até da psicologia.

Há quem diga que a música “alfineta” o jogador e sua nova namorada. No entanto, o discurso da cantora colombiana parece bastante claro com trechos como “eu não volto aqui, não quero outra decepção, você se considera um campeão, mas quando precisei, você me deu sua pior versão” e, mais a frente, se referindo à nova namorada do jogador (com quem, em tese, o jogador traiu Shakira, levando o casal ao divórcio), de 22 anos, a letra diz “eu valho dois 22s. Você trocou uma ferrrari por um twingo, você trocou um rolex por um casio”.

Não faltam pessoas para dizer que a cantora está se rebaixando, que está expondo os filhos a uma situação que poderia ser evitada, que está lucrando com a situação, que é uma mulher adulta e que deveria tratar desses problemas de forma privada – ou na sua terapia. Creio que há um ponto de razão em cada um desses comentários. O que me impressiona é haver muito mais dedos apontados a ela do que ao jogador que, até onde se sabe, traiu a mulher com uma garota cuja idade está mais próxima da dos filhos do que da de Shakira, havendo rumores de que a cantora desconfiou da traição quando viu sua geleia preferida, que o marido não comia, começar a acabar mais rápido no frigorífico de casa.

A separação de um casal deve ser tema para o top do YouTube e do Spotify? Honestamente não sei. Mas sei que Shakira teve coragem de fazer o que muitos homens e mulheres têm vontade, mas não fazem. Dizer tudo o que acham que deve ser dito numa separação em alto e bom som. Não o fazemos por questões de etiqueta, de bons modos, de preservação da cordialidade, de preservação dos filhos. Mas, sim, há muita coisa que fica presa da garganta de qualquer pessoa que já passou por uma situação semelhante.

Os picos de audiência alcançados pela música não se devem apenas ao fato das pessoas gostarem de fofocas e gritaria. Boa parte do sucesso se deve a uma forma de representatividade. Quem nunca passou por uma situação na qual, na hora em que você mais precisou, a pessoa te deu sua pior versão? É um sentimento universal. Alguns condenarão a decisão da colombiana de lavar sua roupa suja matrimonial em público. Outros simplesmente entenderão a dinâmica de senso de oportunidade. Outros vão ouvir a letra e, em algum lugar interior, agradecer a uma mulher que teve coragem de dizer o que muitos calam durante anos.

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